Crítica
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Sinopse
Dois irmãos retornam à antiga fazenda da família para vendê-la após a morte do pai. No entanto, eles não esperavam que forças ocultas entrassem em jogo, forçando-os a reavaliar as suas relações com os antepassados.
Crítica
Pelo que se vê em As Que Vocês Não Queimaram, Elise Finnerty é um nome que certamente se ouvirá falar a respeito no futuro. Ainda que este seja um projeto bastante pessoal da cineasta, além de responder pela direção e pelo roteiro, ela também é um dos destaques do elenco, aparecendo como Alice, a jovem encarregada pela fazenda deixada por um homem que acabou de cometer suicídio. No entanto, não é ela a protagonista. Nesta posição estão os irmãos interpretados por Jenna Sander (vista em um episódio de FBI: Most Wanted, 2023) e Nathan Wallace (presença constante em seriados de tevê aberta, como Lista Negra, 2018, e Chicago P.D.: Distrito 21, 2022, entre outros), que se veem obrigados a voltar à casa paterna para lidar com a herança inesperada. No entanto, mesmo que os dois tenham mais tempo em cena, é Finnerty que rouba as atenções a cada aparição. Sua figura de sorriso dissimulado, amistosa, porém deixando claro representar um perigo desconhecido, é a guia ideal para uma história que, mesmo de curta duração, não tem pressa em revelar as cartas que mantém escondidas na manga. É essa certeza do que busca e em como atingir tal resultado que faz deste um filme ao qual se deve se ater com cuidado.
Mirra (Sander) e Nathan (Wallace) não poderiam ser mais diferentes um do outro, e não se exige muito da audiência para que essa distância entre eles fique evidente. O rapaz é o primeiro a chegar, e não por acaso: desempregado, não tem muito o que fazer. Ela vem depois, ocupada com o trabalho e com as muitas responsabilidades que equilibra no dia a dia. Logo o espectador percebe que nenhum tem muita paciência, ou mesmo interesse, no outro. Querem apenas resolver aquela questão e ir embora o quanto antes. Sim, a morte do pai é apenas isso: um problema a ser solucionado. Os laços entre eles há muito haviam sido desfeitos, e se agora se reencontram, é mais por uma formalidade do que por um desejo particular. A dinâmica entre eles ganha ainda mais relevo quando, aos poucos, esses interesses que os levaram até onde agora se encontram começam a se alterar. Essa evolução gradual de vontades e percepções, sem ser impositivo ou didático, é um dos méritos da realizadora.
Assim que chegam, as direções que os levaram até ali se mostram apontadas para caminhos opostos. Ele é tomado pela nostalgia, por reconhecer em cada cômodo da velha casa, em cada cenário há muito abandonado ou nos velhos amigos que reencontra um pouco daquilo que havia deixado para trás. Como partiu em busca de algo que, imagina-se, não tenha encontrado, é natural perceber a insatisfação que dele toma conta e essa aspiração por voltar a ser quem ele um dia foi. A irmã, por sua vez, não tem tempo a perder. Quando, no dia seguinte, ele a convida para, juntos, irem até a praia que frequentavam na infância, sua negativa surge sem demora. Porém, não perdura o suficiente para se mostrar convincente, e a rápida mudança de ideia também servirá para um novo direcionamento entre os dois. Se no começo ele quer ficar, e ela se desfazer de tudo da forma mais rápida possível, logo o inverso prevalecerá: ela decidida a assumir as tarefas daquela nova/antiga realidade, ao passo que ele se verá cada vez mais mergulhado nos mesmos temores que por muito tempo o consumiram e, portanto, desesperado por uma oportunidade de fuga.
Essa mudança radical promovida entre eles se dará pela influência de figuras externas. Quem irá mexer com as percepções dele será um velho conhecido, Greg (Samuel Dunning, que lembra bastante um Matthew McConaughey em início de carreira), que assim como ele também fez de tudo um pouco na adolescência, com a diferença que nunca chegou a ir embora, e segue levando um dia após o outro da mesma forma por mais de uma década. Já Mirra tem um contato mais revelador, e quem responderá por isso será justamente Alice, que sempre se apresenta tendo ao seu lado a silenciosa, e por isso mesmo, ainda mais enigmática, Scarlett (Estelle Girard Parks, também produtora do longa). As duas, lentamente, vão envolvendo a recém-chegada em um processo de descobertas que irá revirar segredos antigos. A compreensão da real natureza daquele lugar e as dívidas que carregam por gerações serão determinantes para esse novo posicionamento. O medo, portanto, vem mais da possibilidade e de um sentimento de culpa transmitido de pais para filhos, e menos de ações pontuais executadas de forma impensada. A imaginação, como se sabe, tem mais poder do que um simples gesto.
Se ambos possuem seus próprios fantasmas com os quais lidar, estará na jornada de alerta e pavor experimentada por Nathan a maior possibilidade de identificação com o espectador, uma vez que sua irmã não representará grande dificuldade de convencimento, mais uma peça em um grande tabuleiro do que uma jogadora capaz de decidir para onde ir (ou não). Passando por questões históricas que podem ir até a formação do país, exime-se, por outro lado, em partir por uma jornada ainda mais transformadora – pois se foram as bruxas que fizeram daquele um lugar sagrado, antes delas eram os indígenas que reconheciam aquela terra como sua. Mas se o discurso não vai tão longe, muito é pelo olhar feminista que As Que Vocês Não Queimaram se propõe – explícito até mesmo no título que carrega. E por mais que não consiga evitar alguns cacoetes do cinema independente norte-americano (os excessos de câmeras lentas, um certo deleite quase onírico pelas paisagens da região, um apelo imagético que nem sempre encontra eco no texto que defende), esses se mostram orgânicos em um conjunto que não está atrás de reações gratuitas, preferindo o incômodo à mera provocação. O que já é um ótimo começo.
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