Crítica
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Sinopse
Uma professora de dança se isola na sua casa de campo depois do marido ter sido devorado por uma planta carnívora. Ela apenas volta à cidade quando um velho amigo a convida para trabalhar numa boate.
Crítica
O diretor Ivan Cardoso é uma figura quase mítica da cultura cinematográfica nacional. Desde seu curta Nosferato no Brasil (1970), passando pela estreia em longas com O Segredo da Múmia (1982), Cardoso sempre se mostrou uma voz distinta ecoando em meio ao Cinema Marginal e vendo, com o passar dos anos, sua obra ser alçada ao status de cult. Essa admiração se deve em grande parte à sua capacidade de manipular o pastiche de gêneros, tendo como resultado trabalhos extremamente autorais. Em As Sete Vampiras, que mistura terror, ficção, aventura pulp e film noir - envolvidos pela atmosfera cômica/satírica – Cardoso dá continuidade ao tipo de cinema referencial no qual se tornou especialista e que lhe valeu a alcunha de “Mestre do Terrir”.
A insólita trama começa quando o botânico Frederico Rossi (Ariel Coelho) é devorado por uma rara espécie de planta carnívora em seu laboratório. Na tentativa de salvá-lo, sua esposa Sílvia (a musa Nicole Puzzi) acaba sendo ferida pela criatura, cujo veneno é capaz de transformar pessoas comuns em vampiros. Tempos depois do incidente, enquanto tenta preservar sua forma humana através do antídoto deixado pelo falecido, Sílvia recebe o convite de um amigo, Rogério (John Herbert), para comandar um espetáculo em sua boate. Ela apresenta a ideia de um número artístico intitulado “As Sete Vampiras”, mas o sucesso da empreitada é interrompido por uma série de misteriosos assassinatos nos quais as vítimas são encontradas sem nenhum rastro de sangue.
O redemoinho de referências de Cardoso já se faz presente na introdução pré-créditos que utiliza um trecho da série Alfred Hitchcock Apresenta em que o cineasta – dublado em português – anuncia o início do longa. As citações ao mestre do suspense continuam ao longo da projeção, como na cena em que Sílvia dirige à noite, emulando a Marion Crane de Psicose (1960), com direito até à trilha sonora original de Bernard Herrmann. A influência do universo B de Roger Corman também é abundante, vide a própria planta carnívora – uma clara reminiscência de A Loja dos Horrores (1960) –, mas o catálogo iconográfico de Cardoso é vasto e abrange até mesmo elementos do Expressionismo Alemão, presentes especialmente no show das vampiras.
Como em toda obra do cineasta, o enredo não apresenta um grande apego à lógica, se tornando cada vez mais nonsense conforme o seu desenrolar. Esse desprendimento das amarras narrativas, porém, é parte fundamental do fascínio exercido pelo filme e do sentimento libertário que irradia. A loucura empregada por Cardoso nunca aborrece, divertindo o espectador tanto quanto os envolvidos na produção. O elenco, aliás, se mostra uma homenagem do diretor à história de nosso cinema, em particular às chanchadas dos anos 50, época em que o longa aparentemente se situa. O verdadeiro desfile de pilares da comédia nacional começa com o grande Colé Santana – tio do Trapalhão Dedé Santana, que também faz uma rápida aparição – engraçadíssimo na pele do Inspetor Pacheco.
A lista continua com nomes como Zezé Macedo (Rina, a faxineira da boate), Ivon Curi, em ponta preciosa como o Barão Von Pal (“com L no final”), Wilson Grey como Fu Manchu – que possui dois excelentes momentos: o número de ilusionismo e o hilário diálogo com Colé Santana – e Tião Macalé, que aparece brevemente no prólogo. Pedro Cardoso – primo de Ivan – e Carlos Mossy são outros que têm participações especiais, assim como o pianista Bené Nunes, ótimo como o chefe de polícia e responsável pela trilha sonora ao lado do cantor Leo Jaime – este possui um papel maior, o do rock star Bob Rider, que ganha um número musical interpretando a faixa-título do filme, acompanhado da banda João Penca e Seus Miquinhos Amestrados.
Para finalizar, não há como deixar de citar as vampiras vividas por um esquadrão de beldades, protagonistas das cenas de nudez típicas das pornochanchadas. São elas: Lucélia Santos, a aspirante a atriz que sonha em ser estrela da Atlântida, Simone Carvalho como Ivete, a voluptuosa Suzana Mattos – que vive Clarice, melhor amiga de Sílvia, se destacando ao posar nua para um ensaio fotográfico – além de Daniele Daumerie, Alvamar Taddei, Dedina Bernardelli e Tânia Boscoli. Mas em termos de personagens, o grande achado fica por conta do detetive particular Raimundo Marlou – trocadilho com Philip Marlowe e Raymond Chandler - vivido por um impagável Nuno Leal Maia sempre acompanhado de sua secretária Maria (Andréa Beltrão, certeira). O plano que apresenta Marlou – lendo um gibi policial e com a flâmula “Chinatown” na parede ao fundo - exemplifica com precisão a capacidade de Cardoso de sintetizar imageticamente suas referências, no caso a dos films noir.
Ainda no campo estético, nota-se um esmero na composição de cenários e figurinos que contrastam com elementos propositalmente trash – a planta carnívora – e se integram à fotografia bem cuidada. Com esses valores em mãos, o cineasta cria alguns quadros visualmente marcantes, como o do destino do bizarro porteiro da boate – que remete a O Fantasma da Ópera, pela ambientação teatral, e aos exemplares do giallo e dos slashers, devido à caracterização do assassino (capa, máscara, empunhando uma lâmina). Outro belo momento é o plano de Simone Carvalho sob a luz dos relâmpagos durante o show, resumindo bem o tom farsesco da obra, que ainda conta com uma revelação final surpresa à la Scooby-Doo. A conclusão perfeita para um trabalho que escancara a anarquia criativa e a notável paixão de Cardoso pelo cinema.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 8 |
Ailton Monteiro | 7 |
MÉDIA | 7.5 |
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