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Sinopse

Os irmãos mutantes decidem fazer atos heroicos públicos para conquistar o coração dos nova-iorquinos depois de anos se escondendo dos cidadãos comuns. Com a ajuda de amigos, eles enfrentarão o misterioso sindicato do crime.

Crítica

O tema principal de As Tartarugas Ninja: Caos Mutante é o desejo por aceitação. Michelangelo, Donatello, Rafael e Leonardo foram transformados em mutantes quando ainda eram apenas filhotes de tartaruga. Adotados pelo Mestre Splinter (um rato também afetado pela substância que desta vez chamam de “gosma”), eles se tornaram exímios lutadores do estilo ninjútsu e, basicamente, vão à superfície para conseguir mantimentos. Porém, do alto de seus 15 anos de idade, os quatro estão cansados de morar num esgoto onde não podem experimentar as coisas que lhes chegam por meio do computador e do aparelho de celular. Sim, novamente temos um filme que conta a história de origem do quarteto de quelônios mais destemido e irado da cultura pop. A intenção é clara: aquecer uma marca conhecida e começar uma nova franquia – o longa-metragem nem estreou ainda e já foram anunciadas uma sequência e uma série derivada. Então, para quem tem alguma familiaridade com a história desses personagens homônimos de artistas renascentistas criados por Kevin Eastman e Peter Laird, boa parte da trama oferece poucas novidades. No entanto, mesmo diante de uma repetição dessa narrativa de origem, sobressai a tentativa de conectar as tartarugas a um novo público, de fisgá-lo por meio de referências constantes e mostrar a personalidade dos protagonistas moldada pela rapidez dessa atualidade.

Michelangelo, Donatello, Rafael e Leonardo são poucas vezes chamados por seus respectivos nomes, geralmente atendendo por apelidos diminutivos, apropriados à linguagem jovial que o longa-metragem persegue, tais como Mike e Donnie. Tristes por não terem autorização para vivenciar experiências na superfície, os quatro frequentemente burlam as ordens do pai/mestre e dão umas fugidinhas, como na ótima cena em que refletem acerca da própria juventude ao conferir na telona um trecho emblemático de Curtindo a Vida Adoidado (1986). Numa dessas escapadas, eles encontram a humana intrépida e bisbilhoteira April O’Neil, adolescente que, assim como eles, é solitária, além de vítima de chacota na escola. Ela sonha em ser bem-sucedida no jornalismo. Em meio à pegada apressada, As Tartarugas Ninja: Caos Mutante chama a atenção pelo visual elaborado. A bonita técnica utilizada segue a toada das animações recentes do Homem-Aranha, ou seja, se distancia do padrão 3D que caracterizou a animação comercial posterior ao advento da Pixar. Ela oferece um visual menos limpo e mais expressivo – inclusive se valendo da representação de rebarbas e imperfeições características do mundo do desenho (traços incompletos, recortes inacabados, etc.). Claro, tudo pensado milimetricamente para ser autorreferente e distante dessa limpidez aspirante à perfeição que tem marcado a animação 3D.

Em As Tartarugas Ninja: Caos Mutante, os protagonistas e seus aliados de ocasião têm de lutar contra um inimigo familiar. O Super Mosca é também mutante, mas, diferentemente do Mestre Splinter, acredita ser necessário gerar um exército de criaturas capazes de subjugar os seres humanos, quando não os aniquilar. E está aí o principal ponto fraco do longa-metragem: a motivação, o desenvolvimento e o desfecho são genéricos. Splinter (mais pai do que às nas artes marciais) e Super Mosca são como o Professor Xavier e o Magneto de X-Men. Ambos sofrem com a discriminação da raça humana, mas têm valores que motivam comportamentos e balizam decisões opostas diante da opressão. Splinter decide se esconder e colocar terror em seus filhos adotivos; Mosca pretende mover mundos para derrotar seus inimigos usando a força. À medida que as tartarugas são jogadas nesse potencial poço de contradições, a ação e as tiradas engraçadas se tornam mais importantes do que a elaboração do cenário psicológico/dramático. Desse modo, personagens mudam de opinião rápido demais, inimigos trocam de lado como se fossem atravessados por raios repentinos de esclarecimento e os cineastas não trabalham bem, dentro dessa ideia de contemporaneidade, a influência do ambiente digital para mostrar às tartarugas o mundo que elas não veem. Há muitos desperdícios e um gosto de “já vi esse filme”.

O mais interessante de As Tartarugas Ninja: Caos Mutante é justamente a nova concepção de Michelangelo, Donatello, Rafael e Leonardo dentro da atualidade adolescente atravessada pela influência de animes, K-pop, astros e estrelas da música, entre outras idolatrias e paixões que visam estabelecer conexões entre os personagens e seu público-alvo prioritário. Nesse sentido, palmas à dublagem brasileira, que consegue adaptar o gingado e a malemolência da linguagem original para o nosso idioma, fazendo até mesmo algumas referências regionais, vide o “ai ai” que remete diretamente ao choque que viralizou tornando o então jornalista Lasier Martins um dos primeiros memes virais da internet brasileira. A nova produção é divertida, dinâmica, mas infelizmente superficial demais. Por exemplo, pena que não haja mais (e melhor) espaço para a compreensão de que a vitória é apenas possível por conta do trabalho correto de jornalismo que combate as mentiras em favor do final feliz – algo importante de pontuar numa era tão marcada por notícias falsas, as chamadas fake news. Também não se pode dizer que o tópico da aceitação vá tão além do básico: fazer para ser aceito, amadurecer durante a jornada e perceber que é preciso realizar a missão sem esperar como recompensa a aceitação. Quanto à April, o que mais se destaca é a sua representação como mulher negra e de fenótipo destoante dos padrões de beleza definidos pela magreza. Ela funciona bem como a fiel parceira humana das quatro tartarugas carismáticas e corajosas. Nada de novo, mas a jornada é divertida.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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