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Sinopse

Josué é um policial incumbido de resolver a tentativa de assassinato de um empresário num pequeno município do sertão brasileiro. E ele tem três pontos de vistas: o do matador de aluguel, o da noiva do morto e o do sobrevivente.

Crítica

Quem conta um conto, aumento um ponto. O dito popular se vê impresso na trama de As Verdades, que faz do plural do seu título o sentimento a ser percorrido pelos acontecimentos conduzidos pelo diretor José Eduardo Belmonte. Afinal, a despeito das boas entregas do elenco e de um roteiro engenhoso, ainda que não isento de tropeços, proposto por Pedro Furtado, o destaque dessa produção é a mão segura de seu realizador, que faz desse conto moral uma história de nuances insuspeitas e uma profundidade em seu discurso que vai além do percebido por uma leitura apressada. Há mais a ser discutido do que a mera certeza a respeito de quem está ou não sendo sincero e suas motivações sobre o que dizem e, acima de tudo, pelo que tanto se esforçam em omitir. O debate, portanto, está por trás daquilo posto no centro da questão. E é esse mergulho que eleva o conjunto para além de uma suposta condição genérica da qual tanto se aproxima, mas que com efeito evita.

Herdeiro do consagrado Jorge Furtado, Pedro começou como ator em filmes do pai, como Houve Uma Vez Dois Verões (2002), mas foi ao apanhar de raquete – por se envolver com uma mulher muito mais velha – na novela Mulheres Apaixonadas (2003) que se tornou conhecido nacionalmente. No entanto, há algum tempo abandonou a carreira de intérprete, concentrando seus esforços no desenvolvimento narrativo. Mais uma vez numa parceria familiar, assinou o drama Boa Sorte (2014), e após passar por séries como Sintonia (2019), tem aqui seu maior desafio. Sozinho, assume o desenrolar de uma história baseada no conto Dentro do Bosque, do escritor japonês Ryunosuke Akutagawa. O espectador leigo no escritor, mas apreciador da cultura oriental, deverá identificar uma outra influência, mais forte e abrangente: o clássico Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, também inspirado pela obra do mesmo autor. Eis, portanto, a estrutura que se repete: um mesmo incidente, com diferentes versões para o ocorrido, cada uma narrada por um dos envolvidos.

O Furtado filho se sai razoavelmente bem na missão, ainda que para isso conte com desempenhos superlativos em cena. Por mais que narrações em off soem perigosamente como um cacoete imposto pela influência paterna, ter a seu dispor um protagonista externo ao evento em si tem suas vantagens. Josué, o delegado vivido por Lázaro Ramos e encarregado de descobrir o que de fato se sucedeu termina por fazer as vezes do espectador, tão perdido – ou impressionado – quanto esse diante dos elos e ligações entre os afetados pelo episódio que lhe é destinado investigar. Francisca (Bianca Bin) está no meio de um triângulo (ou seria quarteto?) amoroso, entre o político Valmir (Zécarlos Machado) e o matador de aluguel Cícero (Thomas Aquino). Um dos homens está no hospital, o outro é o principal suspeito. Mas o que Josué pensa a respeito disso?

Afinal, não são apenas os amantes, o oficial e aquele às escondidas, que se permitiram levar pelos encantos da garota: o policial também se envolveu com ela no passado, e mesmo tendo se mantido longe daquela pequena cidade nos últimos anos, o que os dois viveram – e compartilharam – segue vivo nele. Acrescenta-se, portanto, mais uma camada de entendimento: estaria aquele responsável por descobrir o que aconteceu também corrompido pelos sentimentos despertados? Seria ele somente parte de um quebra-cabeças maior, ou algo alheio e, por isso, capaz de um distanciamento exigido para a tarefa que lhe compete? O diretor entende o desafio que assume, e não o enfrenta com pressa ou afobação: pelo contrário, é pela parcimônia que vai abordando cada um dos afetados, tanto os diretamente em relatos tão contraditórios quanto complementares, como também aqueles que vão, aos poucos, revelando responsabilidades insuspeitas, como a investigadora Sâmia (Edvana Carvalho, de Irmãos Freitas, 2019) ou a viúva Amara (Drica Moraes), mãe da moça em disputa e dona da verdade que, por fim, irá se impor sobre as demais.

Após tantos deslizes, como os equivocados Billi Pig (2012) e Entre Idas e Vindas (2016), Belmonte recupera com As Verdades uma boa forma que há muito lhe vem sendo conferida, se não a percebida nos seus melhores trabalhos no início da carreira, mas competente o bastante para garantir a atenção da audiência frente ao desenrolar de eventos que vão se desdobrando como camadas de uma tragédia anunciada. Tem-se aqui um castelo de cartas sendo posto abaixo pela peça posicionada de forma estratégica a se encarregar de um desmonte que transpõe o imaginado num momento inicial. Bianca Bin transita com eficiência entre o fatal e o inocente, enquanto que Aquino e Machado correspondem às expectativas. Se por fim Lázaro Ramos responde com destreza ao papel que lhe é destinado, resignado mais em abrir portas do que em transpô-las, está em Drica Moraes não a surpresa, pois confirma um talento conhecido, mas a confirmação de uma performance envolvente na medida que abraça uma responsabilidade que talvez pudesse ser dividida, mas da qual exibe excelência para com ela lidar sem hesitação. Poderia ser só mais uma fórmula repetida, mas é o conjunto que faz do todo uma soma além de suas partes isoladas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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