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Crítica


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Sinopse

Asako tem 21 anos e mora em Osaka. Ela se apaixona por Baku, um rapaz de espírito livre e misterioso. Porém, ele desaparece de sua vida de repente. Passados dois anos, Asako agora vive em Tokyo. Ela acaba conhecendo Ryohei, um assalariado que se parece com Baku, mas com uma personalidade completamente diferente dele.

Crítica

A narrativa de Asako I & II é atravessada, de forma bastante sutil, por uma espécie de fantasmagoria, porém sem ter configurada uma instância fantástica. Os enigmas e as pontas propositalmente “soltas” não pertencem à esfera do insondável. O primeiro encontro de Asako (Erika Karata) e Baku (Masahiro Higashide) se dá como se o destino tramasse a troca de olhares em meio a afazeres simples e aparentemente sem relevância. É um dos indícios dessa cessão de espaço àquilo que não está cartesianamente explícito, ao idealizado. Embora sua melhor amiga proteste, especialmente por achar que o novo namorado a fará sofrer, a protagonista do longa-metragem de Ryûsuke Hamaguchi aposta no relacionamento com alguém praticamente oposto, pois extrovertido, um espírito livre. Tanto que eventuais escapadas de horas, e até de dias, são consideradas naturais por quem o conhece há tempos. Um dia, sem explicação, ele vai embora e não retorna. Tal evento cria um buraco. A namorada, então abandonada, resolve partir de mudança para Tóquio e recomeçar a sua vida.

A entrada em cena de Ryôhei (Masahiro Higashide) acende a luz de esperança, mas, concomitantemente, traz desconforto, afinal de contas ele é fisicamente idêntico ao desaparecido. O realizador investe nesse incômodo sentido pela jovem, logo tão balançada quanto intimidada. Sem cerimônias, os holofotes acabam sendo deslocados ao rapaz que, a priori, nada sabe do passado de Asako. Começamos a acompanhar, sobremaneira, a sua trajetória, com a prevalência das tentativas de aproximação da praticamente desconhecida, ela que baixa o olhar sempre que o vê. A dúvida não vira moeda de barganha em Asako I & II. O realizador foge de embaralhar a percepção, de investir na confusão como um elemento subjacente. Em meio ao desenvolvimento da vida do casal depois consolidado, com demonstrações de afinidade social direcionadas, especialmente, a amigos e colegas de trabalho, sobra pouco espaço para questionar se Baku e Ryôhei poderiam ser a mesma pessoa. O roteiro se atém totalmente à construção da rotina doméstica encarregada de gerar harmonia no vínculo.

Asako I & II deixa, contudo, constantemente engatilhada a possibilidade de um retorno perturbador. Reafirmando a vocação por observar vicissitudes amorosas, o filme mostra as implicações de atitudes intempestivas, mas não se aprofunda em Asako. Ela acaba sendo uma figura apagada, cuja personalidade passa inadvertidamente pela resposta aos desígnios do coração. Seja nos colóquios banais ou até na reafirmação da felicidade conjugal, ela pouco se abre, deixando para oferecer-nos alguns traços mais definidos de sua singularidade quando as intempéries parecem se abater sobre a supostamente duradoura bonança. Baku é como uma entidade que regressa a fim de bagunçar convicções e colocar momentaneamente em xeque um sentimento principado justo por sua ausência. É incômoda a passividade da protagonista, sua restrição ao âmbito amoroso – profissionalmente, ela apenas é esquadrinhada para permitir a proximidade alheia, o que gera as circunstâncias ideais ao acompanhamento diário do elo atravessado por várias demandas.

Há uma dicotomia entre os homens de Asako. Baku é o imprevisível, o espírito livre que carrega consigo a centelha da emoção. Ryôhei representa a estabilidade de um amor tranquilo, seguro e igualmente acalentador. Felizmente, Ryûsuke Hamaguchi não aposta somente nessa diferença como vital no instante da verdade. Masahiro Higashide, ajudado pelo penteado e os figurinos que diferenciam seus personagens, dá conta de estabelecer duas energias bem distintas, garantindo que os amores conflitantes simbolizem instâncias heterogêneas. Erika Karata, por sua vez, fica demasiadamente restrita ao caráter ensimesmado da protagonista, não logrando êxito plenamente na construção de um tipo consistente o suficiente para sair da sombra das conjunturas relacionais. Asako I & II tem passagens belíssimas, como o do sol que alcança amantes num dia nublado, mas acaba marcado por uma trama em que a uniformidade ocasionalmente é temperada por algo de pungência visível, como o carisma dos personagens e a demonstração de seus medos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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