Crítica
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Sinopse
Uma família fica presa em Asteroid City depois que o seu carro quebra. Estamos no ano de 1955, numa cidade fictícia norte-americana onde se comemora o Dia do Asteroide e os aspectos espaciais são levados muito a sério.
Crítica
Goste ou não, uma coisa é inegável: Wes Anderson é um autor, um realizador de estilo próprio, facilmente identificável. É como se seus filmes fossem ambientados em um mundo à parte, não necessariamente fantasioso, mas também não muito preso às regras conhecidas. Asteroid City, seu décimo primeiro longa-metragem, deixa clara essa interseção entre ficção e realidade logo nos primeiros instantes: trata-se de uma peça de teatro, uma história inventada por um autor – Conrad Earp, vivido por Edward Norton – e revelada por um narrador – papel de Bryan Cranston. Esses dois, assim como a grande maioria do elenco, são antigos parceiros do cineasta, figuras presentes em seus trabalhos anteriores. Ou seja, é como se, mais uma vez, Anderson tivesse reunido sua turma, velhos conhecidos de guerra, recriando um ambiente no qual pudesse, enfim, se sentir confortável. Se em muitos dos seus esforços prévios o diretor ainda buscava uma validação, aqui está jogando em casa e para os seus. E, assim, apresenta um conjunto ainda mais coeso e particular. Por mais que almeje as estrelas, estará no íntimo de cada um – personagens ou espectadores – a sua verdadeira mira.
Na trama proposta, Asteroid City é uma pequena cidade desértica no meio do nada norte-americano. Lá, em meados dos anos 1950, a escassa população local – não mais do que 87 habitantes, e contando – se agarra ao fato de um asteroide ter caído na região, criando uma cratera enorme que acreditam possuir algum potencial turístico. No motel de apenas dez cabanas, administrado por um dedicado gerente (Steve Carell), cinco famílias irão se hospedar, ali reunidas por causa de um tímido concurso científico infantil. Augie (Jason Schwartzman) é um fotógrafo de guerra, Midge Campbell (Scarlett Johansson) vive do sucesso como estrela de cinema, Sandy (Hope Davis) tem pouco com o que se preocupar, Roger (Steve Park) tenta acalmar a rebeldia adolescente e J.J. Kellogg (Liev Schreiber) não aguenta mais ter que lidar com desafios absurdos. Esses são, portanto, os pais. Cada um, a seu modo, está a serviço da geração seguinte, nem que seja por alguns dias, enquanto os seus interesses pessoais são colocados de lado. Há um luto a ser sentido, uma crise a ser superada, uma fofoca a ser contada, uma confusão a ser esclarecida, uma frustração a ser superada. E não necessariamente pelos adultos.
O mundo dessas pessoas, assim como daqueles que orbitam ao redor deles, é colocado em ponto de espera quando o mais improvável dos acontecimentos, enfim, se sucede. Em uma cerimônia que deveria ser não mais do que trivial e entediante, um quarto ponto se manifesta no lugar onde apenas três eram esperados. Trata-se de uma nave espacial vinda sabe-se lá de onde, e com ela, um legítimo alienígena, preocupado apenas em recuperar o que, imagina-se, era seu antes mesmo de todo esse barulho: o tal meteorito. Quando o surreal toma conta do cotidiano, todo o resto passa a ser, por si só, excepcional. O flerte passageiro se torna paixão, o velório improvisado adquire um contorno que se impõe como perene, a terra é vendida sem que passe a ser propriedade, o ensino tradicional se mostra secundário e até uma mera canção ganha ares de mensagem premonitória. Cada um destes aqui reunidos são não mais do que peças em um tabuleiro sem início nem fim, por mais que o começo de tudo tenha sido bem determinado por alguém alheio a esses sentimentos, da mesma forma como o fim de tantas dúvidas possa se dar a qualquer instante, num estalar de dedos.
Ainda que a chegada do vizinho extraterrestre tenha a pompa de um encontro entre mundos, seguirá sendo uma versão de Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), mas não de Steven Spielberg e, sim, 100% Wes Anderson. Sua assinatura está presente não apenas nos rostos familiares do elenco ou nos enquadramentos milimetricamente simétricos, na paleta de cores ou nos diálogos certeiros, mas, acima de tudo, pelo esforço de pertencimento que todos em cena, em um momento ou outro, empreendem. O mecânico (Matt Dillon) quer fazer seu trabalho, assim como os caubóis (entre eles, Rupert Friend e Seu Jorge) querem tocar sua música ou a professora (Maya Hawke) seguir com sua aula. Mas enquanto a cientista (Tilda Swinton) é passada para trás por um grupo de crianças e as trigêmeas decidirão como se despedir de forma apropriada da mãe falecida, aos que as observam, sejam eles militares ou o avô solitário (Tom Hanks, investindo na versatilidade), caberá apenas uma concordância resignada. O elemento externo parte da surpresa e da novidade, mas não mais do que isso. Estará em cada um dos afetados o lugar onde a verdadeira revolução terá vez. Uma busca por contato, por integração. Tal qual o Papa-léguas necessitava do Coiote, os bandidos em fuga também precisam dos policiais que os perseguem.
Importante, no entanto, não perder de vista que a parábola desenvolvida em frente a uma audiência cada vez menos afoita, mas na mesma medida mais interessada, se desenvolve através do conceito do subtexto, da leitura em múltiplas camadas possibilitada não apenas pela dinâmica entre criador e criatura, entre artista e a arte, mas pelo envolvimento crescente do cenário e das motivações que o tornaram real, por mais que falso, com os que os observam, permitindo sua possibilidade, sejam atores cansados de decorar falas que não são suas, intérpretes que não cabem nas fantasias que lhes são entregues ou mesmo discursos que perderam o momento de se mostrarem válidos. Asteroid City não tem nada a provar e muito menos a ensinar, mas muito a dizer aos que dele se aproximarem com curiosidade e reverência. Eis, enfim, um manifesto não militante, muito menos ativista, mas que parte de um olhar singelo, por vezes nostálgico, sem esquecer de um enternecimento quase contagiante. Enquanto se discute a distância das estrelas e outros se preocupam com bombas avassaladoras, em cada um recai a força da mudança. Colocá-la em uso, ou não, é o que faz a diferença.
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