float(15) float(6) float(2.5)

Crítica


5

Leitores


6 votos 5

Onde Assistir

Sinopse

Angus Stewart é um engenheiro civil aposentado que sempre sonhou em conhecer o espaço. Aos 75 anos, com sérios problemas de saúde e vivendo num asilo, ele decide se candidatar para o sorteio que levará um felizardo para o primeiro voo comercial até o espaço. Mas Angus terá que convencer muitas pessoas de que é o candidato ideal para esta oportunidade rara.

Crítica

Este drama mantém uma relação curiosa com seu personagem principal, Angus (Richard Dreyfuss). Ora ele é visto com empatia, ora com piedade. Por um lado, quando passa a viver com a filha e se torna um fardo pela idade avançada, se sente deslocado, indesejado. Por outro lado, ao se calar diante de gestos violentos (a despedida fria no asilo, as decisões autoritárias do genro), converte-se em mártir, ou seja, um homem ainda mais puro graças ao sofrimento. De todo modo, o espectador é levado a compreender as motivações deste engenheiro civil aposentado de 75 anos, doente e sonhador. Primeiro, porque enxergamos o mundo através dos seus olhos – estamos no quarto com ele enquanto a filha Molly (Krista Bridges) e o genro Jim (Lyriq Bent) discutem seu futuro no cômodo ao lado. Segundo, porque o protagonista é descrito como um sujeito simpático, amoroso, além de pai compreensivo e avô exemplar, maltratado por jovens ignorantes, empresários ambiciosos e cientistas egocêntricos. Somos conduzidos a gostar deste homem pois representa a possibilidade de gentileza dentro de um mundo embrutecido, e também porque sabemos que morrerá em breve. Como não satisfazer seu último desejo de concorrer num sorteio que levará um cidadão ao espaço?

O melhor aspecto de Astronauta: Um Sonho Extraordinário (2019) se encontra na metáfora singela, porém eficaz, entre a jornada interplanetária e a morte. Angus sabe que, caso seja escolhido no concurso, pode não sobreviver à decolagem - assim, utilizaria a oportunidade para controlar o fim de sua vida. A ideia de se despedir da família e embarcar numa grande viagem rumo ao céu, ao desconhecido, podendo jamais voltar, permite à roteirista e diretora Shelagh McLeod aproximar a jornada espacial da morte. O texto nunca força esta aproximação ao limite do didatismo, porém permite que a associação se sustente até a conclusão. Em paralelo, existe um valor interessante em assistir a um drama adulto focado nos sonhos de um homem de 75 anos – quantos longas-metragens ainda são concebidos para personagens desta idade, e quantos deles possuem desejos para o futuro? Este é provavelmente o tipo de projeto de baixo orçamento, repleto de criadores inexperientes, cuja realização foi permitida pela entrada de Richard Dreyfuss. O veterano de Tubarão (1975), Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e A Garota do Adeus (1977) aceita participar de uma obra pequena em termos de construção e ambição cinematográfica, que lhe permite retornar aos papéis principais.

É uma pena que Leod limite este cenário melancólico às passagens óbvias: as visões da querida esposa morta, a dificuldade de executar tarefas básicas sozinho, as visitas ao médico. A linguagem do cinema possui inúmeras ferramentas para expressar a tristeza e a nostalgia através dos enquadramentos, da luz, da temperatura das cores, dos cenários e figurinos. Ora, a diretora aposta numa elaboração impessoal, cumprindo o mínimo necessário – pode-se dizer que ela se contenta em ilustrar o roteiro. Em certa medida, o drama lembra uma versão muito mais simples de Meu Pai (2020), estrelado por Anthony Hopkins. Aqui, os coadjuvantes nunca adquirem autonomia em relação ao protagonista: o conflito da demissão de Jim desaparece da trama, e ignoramos as atividades diárias de Molly, sem falar nos colegas de asilo, que sequer ganham personalidades próprias. As tentativas de humor são ínfimas, assim como o uso pouco expressivo das simbologias (os burros, os oólitos). A diretora aborda os temas fascinantes da morte, da viagem ao desconhecido e das fronteiras tecnológicas com a placidez de quem filma um café da manhã banal em família. Existe um aspecto positivo, e também decepcionante, nesta condução assumidamente morna.

Astronauta: Um Sonho Extraordinário também exige do espectador boa vontade para tolerar as concessões à lógica. É difícil acreditar que um concurso raro e milionário exija informações mínimas de seus participantes, e sequer verifique a veracidade das mesmas. Ainda mais improvável seria a capacidade do herói em detectar a olho nu, observando durante um minuto a pista de pouso, um problema de engenharia que teria passado despercebido por centenas de profissionais. A falha dispensa a necessidade de novos testes e cálculos: o grave conflito se transforma numa questão de “a minha palavra contra a deles”, algo impensável para a ciência e para o lançamento de uma aeronave no espaço. Colm Feore interpreta um bilionário genérico da tecnologia, e a facilidade com que um desconhecido invade a sala do chefão soa absurda – imagina qualquer um entrando no escritório de Jeff Bezos ou Bill Gates? As circunstâncias do concurso e a própria viagem ao espaço soam fantasiosas ao limite do ingênuo, ao contrário dos recentes Ad Astra: Rumo às Estrelas (2019), Interestelar (2014) e Gravidade (2013) no sentido de uma busca pela estética específica da ficção científica. Munida de recursos limitados, Leod registra a partida histórica com um senso de banalidade inacreditável.

Por fim, o projeto se contenta em oferecer um drama pessoal e familiar, explorando o espaço sideral na função de discreto pano de fundo. Richard Dreyfuss não possui a mesma força cênica de antigamente, recorrendo a alguns maneirismos com a boca e os olhos, sobretudo no terço inicial. Em contrapartida, ele se sai melhor nos encontros carinhosos com a filha e na interação com o neto. Lyriq Bent e Krista Bridges possuem poucos bons momentos, pendendo para o descontrole emocional onde poderia haver um trabalho mais fino de sugestões e ambiguidades. Pelo menos, a direção consegue manter as rédeas firmes no material humano, ainda que explore pouco a riqueza psicológica ao redor de Angus. Para isso, demonstra intimidade limitada com a ciência e a ficção científica – em consequência, a concretização do desejo de Angus se torna mais anticlimática do que poética. Resta uma abordagem sincera, sem tentar dar passos maiores do que conseguiria, no qual o futuro (a viagem espacial, as novas tecnologias) se alia ao passado (o senhor idoso, os conhecimentos arcaicos de engenharia) sem sobressaltos. Talvez o projeto efetue poucos esforços para oferecer uma experiência memorável, no entanto, vista a modéstia de suas ambições, cumpre razoavelmente bem o percurso de um melodrama sutil.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *