Crítica
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Sinopse
Depois de ter alta de um hospital psiquiátrico, o jovem Ricky vai atrás de uma atriz pornô com quem transou uma vez. Ele a pede em casamento. Diante da recusa, assume uma abordagem bem mais impositiva.
Crítica
Transitando pelos corredores de um estúdio de cinema, no qual está sendo rodado um filme de terror de segunda categoria, de acordo com as palavras do próprio diretor, Ricky (Antonio Banderas) observa seu objeto de desejo, a atriz Marina (Victoria Abril). Recém-liberto de uma instituição psiquiátrica, ele usa uma peruca que o deixa parecido com um homem das cavernas, simbologia de alguém guiado majoritariamente pelo instinto. Durante essa aproximação, trabalhada pelo cineasta Pedro Almodóvar com pitadas de suspense, algo potencializado pela trilha sonora de Ennio Morricone, a sensualidade de Marina se impõe como uma força definidora. A obsessão de Ricky possui similaridades com a do diretor cadeirante que olha para sua estrela principal com evidente luxúria. Pois, então, é em volta do corpo de Marina que uma espécie de primitivismo se estabelece e posteriormente se desdobra. Não há toques de vulgaridade nessa constatação do sexo como mediador das relações, incluindo as extremas.
O personagem de Banderas se assemelha a uma criança, menos pela imaturidade propriamente dita, ou coisa que a valha, mais por demonstrar inclinação à transparência, não importando o custo. Se ele está com vontade de levar adiante determinado ato, ele leva, sem temer represálias. Se ele pretende expressar algo, certamente expressa, sem tantas travas, bem como os pequenos. Enquanto isso, a posição de poder de Marina é aparentemente desconstruída. De catalisadora das sensações e das atitudes masculinas, ela passa à passividade, em princípio, intrínseca ao aprisionamento, já que amarrada e amordaçada na cama. Essa visão, porém, em parte é enganosa, porque a natureza da mulher continua ditando as regras, já que as ações masculinas são condicionadas por ela. Em Ata-me, Almodóvar cria, ao sabor desses amores incomuns e exacerbados, um longa-metragem que, ao mesmo tempo, trata de sentimentos avassaladores e de cinema, promovendo, assim, uma fecunda fusão.
Na rotina do filme dentro do filme, temos Lola (Loles León), a produtora espalhafatosa, e Maximo (Francisco Rabal), o diretor que evita deliberadamente acabar sua derradeira obra. Há, também, referências diretas a Vampiros de Almas (1956) e a A Noite dos Mortos-Vivos (1968). Essa reiteração do gênero não é gratuita. O “terror” almodovariano, presente em Ata-me, oriundo da impossibilidade de conter os impulsos, sejam eles sexuais ou emocionais, é essencialmente figurativo, de certa forma assim como nas realizações de Don Siegel e George Romero, nas quais a superfície igualmente não contém tudo. A essas alusões soma-se a singularidade da criação de Almodóvar, vista nos personagens escrachados e propositalmente caricaturais, na riqueza iconográfica, sobretudo no que tange à utilização de símbolos religiosos, na importância da música para a construção do tom narrativo, nas situações insólitas e noutras recorrências que denotam a autoralidade.
O absurdo contesta as probabilidades em Ata-Me. A afeição que se desenvolve paulatinamente entre captor e prisioneira não deriva de um movimento canhestro do roteiro, por exemplo, mas da identificação mútua e gradativa de fragilidades, algo que verdadeiramente aproxima dois seres acossados pela solidão, cada um à sua maneira. Advertido pela diretora da instituição psiquiátrica de que a liberdade significaria estar basicamente desamparado, Ricky decide apostar todas as suas fichas na conquista do coração da mulher pela qual se apaixonou depois da transa ocasional numa de suas escapadas contumazes. Ela, por sua vez, em meio à luta contra o vício e a guinada na carreira, uma vez que deixa de protagonizar filmes pornográficos para entrar no cinema “de verdade”, se vê finalmente amada, colocada num altar de veneração, tal como uma santa, só que atada e calada com esparadrapo. Nesse encontro de carentes, surge um amor intenso e visceral.
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Ótima resenha.