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Sinopse

Geralda trabalha num quiosque à beira-mar no Recôncavo da Bahia. Certo dia, é informada de que seu pai está internado no hospital e que pode morrer a qualquer momento. Esse doloroso compasso de espera força uma interação entre ela e as três irmãs. As quatro não se viam desde a morte da mãe, há 15 anos.

Crítica

Para um projeto de baixo orçamento, os diretores Glenda Nicácio e Ary Rosa partem para um conceito enxuto: narrar uma única noite no bar de propriedade de Geralda, que finalmente encontra as irmãs após mais de uma década. Com o estabelecimento fechado, elas se tornam as únicas pessoas em cena. Entre cervejas e cigarros, desabafam e revelam seus segredos e dores. Pela ideia do huis clos a céu aberto, poderia se aproximar de uma disposição teatral, encontrando no diálogo e nas atuações a verdadeira força dos embates entre as quatro mulheres. Este seria o palco ideal para um choque de personalidades, um jogo cênico focado na composição das atrizes – algo como Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966) ou Deus da Carnificina (2011), por exemplo. No entanto, a dupla está convencida a fazer com que esta dinâmica “seja cinema”, ou seja, possua um ritmo e um controle de imagens distante do mecanismo teatral.

Até o Fim efetua escolhas curiosas para as imagens e enquadramentos. Soam, na verdade, como não-escolhas, uma ausência de decupagem privilegiando o acaso. Como as mulheres estão sentadas à mesa durante a maior parte do tempo, a câmera se senta junto delas, fecha o enquadramento nos rostos e treme incessantemente em busca de algum movimento: a mão que se estende para pegar o copo, o corpo que vira de lado, a cabeça se movendo durante um diálogo. O formato da tela, mais próximo do quadrado, favorece os retratos, ao invés do espaço ao redor. Não existe uma predefinição de movimentos, aparentemente improvisados. Assim, a imagem se chacoalha para todos os lados, numa tentativa frágil de imprimir dinamismo às conversas entre figuras sentadas. Caso a imagem tivesse um início mais estático e se relaxasse junto das irmãs, à medida que elas se embriagam, chegaria a uma definição estética mais interessante. Aqui, no entanto, treme-se do início ao fim, com exceção dos momentos em que a imagem deseja ter as quatro juntas, recorrendo à improvável tela dividida.

Se o resultado se revela frágil esteticamente, ele tampouco se aprofunda na construção de personagens ou no próprio texto. Arlete Dias, Wal Diaz, Jenny Muller e Maíra Azevedo são atrizes capazes de brincar com as falas extrovertidas e com as brigas, no entanto, ficam presas a uma interação repetitiva. As quatro são dirigidas para a exteriorização: elas dizem tudo o que pensam, gritam, brincam, falam de sexo como desejam. Por mais divertida que seja esta liberdade vinda da boca de mulheres bem resolvidas com seus corpos e suas profissões, ela resulta em embates sem textura: as quatro se assemelham até demais, e não são piadas recorrentes como a vitória no Oscar ou a busca por um cigarro que conferem qualquer diferenciação digna de nota. No que diz respeito ao texto unicamente, Rosa e Nicácio se filiam ao cinema praticado por Xavier Dolan, que resolve em gritos e lágrimas toda a sua narrativa, acreditando que as personagens serão mais complexas à medida que expulsarem suas dores e amores. A direção possui pouca fé no potencial dramático do silêncio, da variedade e da contemplação, assim como do próprio alcance de seu elenco para propor algo além do encadeamento de piadas e brigas.

Até o Fim pretende discutir, através das protagonistas, temas importantes como a emancipação feminina, os traumas de infância, a transexualidade, a homossexualidade e o enfrentamento ao machismo. No entanto, o faz de modo didático: quanto mais oferece falas roteirizadas às suas atrizes (“Passei a produzir jovens mulheres negras e voltei com um Oscar na bagagem”), menos plausível se torna. Diálogos muito escritos a exemplo de “Estou exausta de fome e faminta de descanso” se confrontam com o despojamento que as quatro podem apresentar por si próprias. O discurso se equilibra num embate constante entre a aparência de naturalidade e a introdução artificial de falas sobre os segredos de cada uma. Quando se percebe o improviso de gestos do quarteto de atrizes, o filme ganha em potência, apenas para ser tolhido por alguma frase feita ou uma sequência de catástrofes reveladas, em estrutura típica do clímax folhetinesco.

Apesar de tantas ressalvas, o resultado possui evidente apelo popular pelo linguajar despudorado das quatro mulheres e pela entrega sem ambiguidades. Afinal, a maior renda da história do cinema brasileiro não vem de uma personagem desbocada, que grita aos quatro cantos cena após cena? Este projeto, de orçamento e alcance mais restrito, possui menor possibilidade de reproduzir o sucesso de uma franquia popular, porém deve atrair novos seguidores ao cinema da dupla, além de chamar atenção ao talento das talentosas atrizes negras. Seria ainda melhor se as quatro se encontrassem num filme sem problemas de sincronização de som, com um texto menos esquemático, com maior dinâmica de imagens, aproveitamento dos espaços e do tempo. Poderia se refinar a montagem para não acumular duas histórias de terror seguidas, duas canções inteiras seguidas, para excluir piadas vaidosas dos cineastas citando a si mesmos. Havia possibilidades de explorar em profundidade o conceito da noite única, assim como os temas abordados. No entanto, julgando pela reação da plateia, que aplaudiu de pé o filme, emocionando-se de verdade ao final da sessão, os diretores encontraram a comunicação desejada com seu público.

Filme visto na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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