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Sinopse

Quando criança, Malky foi vítima de abuso sexual na igreja em que frequentava. Doze anos depois, ele começa a trabalhar na demolição dessa mesma igreja, durante os dias em que o tal padre volta à cidade. Malky precisa enfrentar as lembranças do passado traumático e os efeitos psicológicos em sua vida adulta.

Crítica

Atormentado pelo Passado teve sua première no Festival Internacional de Edimburgo, em 2017, e saiu de lá com o prêmio de Melhor Performance para Anne Reid, que interpreta a mãe do protagonista vivido por Orlando Bloom. Desde então, o longa-metragem dos irmãos britânicos Paul e Ludwig Shammasian voa um tanto abaixo do radar, mesmo chamando atenção nesse evento pelo qual passou. Seria por conta do assunto espinhoso ou apenas em virtude dos percalços costumeiros de uma produção de orçamento limitado? O fato do personagem principal ser um homem abusado sexualmente quando criança pelo padre de sua paróquia pode ter algo a ver com essas portas fechadas? Em tempos de Spotlight: Segredos Revelados (2015) conquistando o Oscar de Melhor Filme, preferíamos pensar que as barreiras quanto à discussão desse tema teriam caído por terra, ao menos no cinema.

Infelizmente a história do longa-metragem é uma realidade para inúmeras pessoas que passaram pelos mais variados tipos de abusos sexuais quando crianças. Atormentado pelo Passado ressoa forte por ser baseado livremente na experiência pessoal do roteirista Geoff Thompson, que aqui estabelece sua terceira parceria com os irmãos Shammasian. Esse enredo já havia sido contado em formato reduzido no curta-metragem Romans 12:20 (2008), mas foi expandido, com o protagonista ganhando o rosto de um ator mais conhecido, Orlando Bloom, das franquias O Senhor dos Anéis, O Hobbit e Piratas do Caribe.

Na trama, Malky (Bloom) é um trabalhador braçal contratado para demolir a Igreja de seu bairro. O local lhe traz memórias intensas, ainda mais quando o antigo padre da paróquia retorna após muitos anos. De relacionamento estremecido com sua mãe (Anne Reid) e sua namorada Emma (Janet Montgmorey), Malky é um homem vazio por dentro, sem qualquer tipo de objetivo futuro. Punindo-se física e emocionalmente por algo vivido no passado, o sujeito se vê impelido a resolver essa questão de uma vez por todas, nem que para isso tenha de apelar a recursos extremos.

Orlando Bloom e Anne Reid são os destaques deste elenco – o primeiro por preencher a tela com uma atuação silenciosa e visivelmente cheia de dor, a segunda por trazer algo mais ao papel da mãe consternada. O roteiro deixa algumas surpresas ao final, quando descobrimos os motivos pelos quais a relação dos dois é tão estranha. Uma pena que o filme não explore ambos com a intensidade que deveria, colocando a relação de Malky com Emma em primeiro plano.

Por ser derivada de um curta-metragem, é notório que a história teve de ser esticada e, portanto, alguns personagens surgem apenas como curiosidade, sem muita função. Se Mick (Kyle Rees) ainda tem momentos de maior brilho, como a revelação de um fato do passado que o deixou em dívida eterna com o melhor amigo, Malky, sua presença não soa orgânica. Parece um excerto de outra trama. Por outro lado, o fato dos irmãos Shammasian terem mais tempo para contar a trama nos brinda com algumas cenas intimistas, de andamento mais lento e que carregam de fortemente o teor religioso do drama do protagonista. A passagem em que Malky desce a figura do Cristo crucificado da Igreja prestes a ser demolida é um bom exemplo desse cuidado dos diretores com algumas sequências-chave. Com uma fotografia um pouco mais elaborada, que não descambasse tanto para o “filme de TV”, o produto final seria ainda melhor.

Atormentado pelo Passado não é um filme fácil. Mesmo quando se revela muito menos vingativo do que poderíamos imaginar, uma reviravolta na história nos mostra que o versículo lido pelo padre em sua missa pode ser bem próximo da realidade. Evitaremos citá-lo por conta de spoilers, mas a resolução traz algo que os céticos chamarão de consciência, enquanto outros poderão ver como a fúria dos céus. O desfecho é impactante, mas funciona mais quando sabemos que o roteirista viveu aquele drama e tomou para si a resolução de seu protagonista, num caso em que a ficção e a realidade andam de forma muito próxima para um resultado artístico mais forte.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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