Crítica
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Sinopse
Crítica
Projetos como Atração de Risco (2020) transparecem um evidente prazer de fazer cinema. Renato Siqueira acumula as funções de diretor, roteirista, ator principal, produtor, editor, editor de som, técnico de efeitos visuais, editor de efeitos visuais e operador de câmera em algumas cenas. Raros longas-metragens no circuito comercial ostentam tamanho controle da obra por uma única pessoa, desde a concepção à finalização, nos moldes do cinema autoral do início do século XX. Além disso, o cineasta não se contenta com um pequeno drama: ele busca reproduzir a atmosfera dos filmes de máfia, os suspenses sobre amantes vingativas à la Atração Fatal (1987), as tramas de luta, os filmes de terror sobre invasões domésticas e mesmo o torture porn, quando se insinua o estupro de uma mulher machucada. O horizonte ao qual este filme aponta é a Hollywood dos tiros e perseguições, mocinhos corajosos e mulheres sedutoras, adversários musculosos e figuras manipuladoras. Em outras palavras, Siqueira mira nos blockbusters de sensações imediatas através de uma fusão de gêneros que funcionavam particularmente bem nos anos 1980 e 1990, tendo caído desuso nas salas de cinema de 2020.
Um primeiro problema, no entanto, diz respeito à incapacidade de adequar as ambições de cinema-espetáculo aos recursos disponíveis. Este projeto careceria de uma estrutura financeira e de equipe muito maior do que aquela existente, e tal deficiência se reflete no resultado. Orçamentos reduzidos não constituem obstáculo para um filme capaz de adaptar sua história e sua linguagem. No entanto, o autor solicita ao espectador que aceite como naturais as cenas mal enquadradas e mal iluminadas, as conversas com captação deficiente de som, as lutas de coreografia pobre e execução pouco convincente, os efeitos especiais artificiais, as trilhas sonoras genéricas de transição entre cenas, os stablishing shots repetitivos para informar se os personagens estão no trabalho ou em casa, além de ignorar a ausência de passagens fundamentais à trama (a internação no hospital, a condução de Carlos ao motel). Não há uma cena sequer que não grite alguma deficiência técnica e criativa grave, sobretudo no que diz respeito à direção de fotografia, incapaz de trabalhar as luzes em espaços internos e de escolher a objetiva apropriada a cada imagem. Os efeitos sonoros abruptos (rajadas estridentes para sugerir tensão quando uma personagem inesperada irrompe em cena) prejudicam ainda mais o resultado, por flertarem com o amadorismo. Isso sem falar num cadáver rolando numa entrada de garagem nem tão íngreme assim. O humor involuntário está bastante próximo.
Caso um roteiro sólido sustentasse o desenvolvimento da trama, talvez as imagens com luzes e cores desiguais saltassem menos aos olhos. No entanto, Atração de Risco se baseia em conveniências e incongruências difíceis de acatar, mesmo com muita boa vontade. Duas cenas semelhantes trazem os personagens sentados, escutando diálogos reveladores na mesa ao lado. Uma reunião de negócios importantíssima é considerada um sucesso a partir de uma única frase de efeito. A descrição sobre “um homem branco de terno”, que corresponderia a 99% do meio empresarial, basta para que o vilão encontre o mocinho. Carlos sai da rua de dia, para conversar com o guarda do condomínio, mas quando retorna minutos depois e fecha a porta de casa, é noite profunda lá fora. Isso sem falar na overdose de tiros na testa (exatamente no meio da testa, por algum motivo), na maquiagem absurda para os olhos profundos do vilão, nos diálogos do tipo “Vamos duelar até a morte”. Os exemplos poderiam se multiplicar. Cada cena transparece tanto vigor quanto falta de refinamento e dificuldade de execução. Talvez por isso a grande maioria das atuações seja de fato muito fraca, porque mal trabalhada em cena, a partir de personagens unidimensionais. Na dúvida sobre como se portarem, os atores abrem um sorriso largo demais.
Questões técnico-narrativas à parte, o suspense incomoda ainda mais pela reprodução de códigos machistas do cinema de gênero, já superado pela maioria das produções hollywoodianas que lhe servem de base. A figura da mulher histérica, desprovida de razão e apaixonada ao limite do doentio desapareceu das relações de gênero em grandes produções do século XXI, graças a pressões de grupos minoritários, exigindo representações mais dignas. Ora, esta narrativa sustenta a impressão de que mulheres são seres raivosos e descontrolados, movidos por hormônios e facilmente apaixonáveis, cabendo aos pobres homens, seduzidos pelos belos corpos (e como se controlar, certo?) resistirem à tentação. A frase de efeito inicial, “a tentação é como a mais afiada das lâminas”, sublinha a seriedade com que a masculinidade e a feminilidade são abordadas dentro da perspectiva conservadora. Enquanto os homens são pragmáticos, racionais e conquistadores, as mulheres “amam demais” e colocam tudo a perder. Os homens, neste caso, são “vítimas” da beleza feminina e do poder de atração destas sereias, vistas como posse dos maridos ciumentos. Felizmente, o projeto conta com Angélica Oliveira, a melhor atriz do elenco, com muito mais facilidade em abordar diálogos do que os demais colegas em cena. Sem a presença dela, a figura da mulher invejosa se tornaria ainda mais questionável.
Por fim, Atração de Risco atira nos alvos errados. As prioridades do filme parecem ser a reprodução de códigos: a importância de cenas de luta, de tiroteios, perseguições e das ameaças. No entanto, seria necessário dar um passo atrás e questionar elementos básicos de linguagem, como o manuseio do tempo e do espaço. Para um suspense psicológico, seria fundamental trabalhar a evolução progressiva da ameaça, ou seja, a aproximação lenta da amante, as primeiras insinuações, a concretização do perigo. Isso geraria a impressão de claustrofobia e prepararia para a explosão do conflito. Entretanto, esta narrativa acelera demais o estado de loucura de Jéssica, para depois esquecê-la num espaço fora de quadro e mover a trama sem que ela faça falta. A loucura do marido para resgatar a sua honra aposta numa truculência mais pertinente aos filmes de monstros do que à abordagem naturalista. Mesmo o espaço das casas, essencial ao home invasion e à presença indesejada da amante vingativa, recebe um trabalho apático da direção. É válido ver Siqueira se arriscar pelo cinema de gêneros, porém falta a prudência na direção, a adequação do imaginário americano a uma realidade tipicamente brasileira, e sobretudo a compreensão de que o valor destas imagens se encontra menos em o quê elas mostram (ou seja, pessoas bonitas lutando, atirando e sangrando) e mais em como essas coisas são mostradas. Filmes de ação e sedução existem aos montes, porém um abismo separa o ótimo Atração Fatal do péssimo Obsessiva (2009), por exemplo, embora ambos cumpram passagens de roteiro muito similares. A distinção se encontra na mise en scène.
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