Crítica


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4 votos 7.6

Onde Assistir

Sinopse

Franck Pasquier, um bombeiro parisiense, parece ter a vida perfeita: um casamento feliz, gêmeas a caminho e um ótimo trabalho. Um dia, ele e sua equipe são chamados para dar suporte a um incêndio de larga escala, mas ele acaba preso no meio das chamas durante uma tentativa de salvar seus companheiros. A partir de então, tem que lidar com as consequências do acidente e redescobrir a vontade de viver.

Crítica

É determinante à falta de profundidade psicológica de Através do Fogo a pouca densidade de Cécile (Anaïs Demoustier), esposa do protagonista Franck (Pierre Niney). Não fosse a breve citação de um problema escolar, sequer se saberia que a mulher trabalha, pois o cineasta Frédéric Tellier condiciona (restringe) seus passos ao que eles significam ao cônjuge. Embora a jornada essencial claramente seja a dele, sobretudo depois que um acidente abrevia sua carreira ascendente no Corpo de Bombeiros de Paris, determinadas decisões dela são essenciais à mensagem que o filme constrói paulatinamente. O homem é o provedor, a força física e moral doméstica, aquele do qual depende a harmonia do lar. Tudo gira em torno de sua vocação, tanto que o casal mora praticamente no pátio da corporação, ou seja, com um claro privilégio àquilo que traz plenitude ao sujeito. A mulher, por sua vez, apenas existe em função do que representa a ele ou é (in)capaz de realizar.

Através do Fogo é fundamentado numa história de superação baseada em fatos. Franck constrói sua existência em torno da vocação, fazendo do trabalho nobre o centro gravitacional não somente dele, mas de Cécile. O realizador não mira isso de forma crítica, se contentando em esquadrinhar esse cotidiano como natural. Frequentemente é ressaltada a periculosidade da função, com os riscos laborais sublinhados e um par de cenas em que o dia no quartel começa com a lembrança dos que morreram em serviço. Há um atrelamento esquemático dessa insalubridade com a gravidez que oferece novas perspectivas. Na primeira metade do longa-metragem, o bombeiro se depara com amigos parcialmente impedidos de exercer a profissão, galga degraus empolgantes como sargento e depois responsável, mas tudo está armado evidentemente para o obstáculo à continuidade do emprego e da rotina feliz. E isso acontece num incêndio grandioso.

Aliás, a sequência de Franck penhorando a própria integridade física para salvaguardar a dos colegas é muito bem filmada por Frédéric Tellier, com um intenso senso de urgência e perigo. O feito, que deixa marcas indeléveis no protagonista, automaticamente o desenha como herói, algo reforçado nos minutos subsequentes em que ele resiste não menos bravamente aos ferimentos. É justamente nesse ponto que a ausência de substância de Cécile surge como ferramenta do maniqueísmo que diminui o alcance e a potência dramática do filme. Muito distante de delinear o calvário dessa mulher que persiste ao lado do marido durante meses até demonstrar dúvidas quanto à sua capacidade de continuar tentando e de enunciar a vista grossa à mudança dos sentimentos, inclusive em virtude da fadiga mental, o cineasta a deixa totalmente exposta a julgamentos. Sem a estrutura adequada às complexidades em voga, ela é reduzida basicamente a uma decisão tomada.

O estratagema de Frédéric Tellier é ampliar, custe o que custar, o buraco aparentemente sem fundo em que Franck mergulha após ter sua vida chacoalhada pela tragédia. Todavia, a dicotomia alimentada pela negligência das subjetividades de Cécile torna o conjunto superficial, quando muito uma celebração isenta de arestas e camadas da incrível aptidão do bombeiro de dar a volta por cima, apesar das circunstâncias. Pierre Niney dá conta de demonstrar as dificuldades pelas quais o personagem passa, sendo especialmente habilidoso no trânsito entre a impetuosidade inicial e a gradativa derrocada após as semanas em coma no hospital. Já Anaïs Demoustier tem pouco o que fazer com o espaço e as possibilidades limitadas que lhe são disponibilizados. Através do Fogo carece, também, de objetividade, principalmente por reiterar estados de ânimo, deliberadamente o fazendo para reforçar o cansaço do protagonista e a o quão penosa é a recuperação, mas não aproveitando esse tempo para, pelo menos, concomitantemente, investir na consistência circundante.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Sarah Lyra
7
MÉDIA
5.5

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