Crítica
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Sinopse
Crítica
Grande vencedor do festival de documentários É Tudo Verdade, em 2018, Auto de Resistência é uma daquelas obras duras de assistir pela temática que abordam, mas necessárias de maneira inconteste. Dirigido por Natasha Neri e Lula Carvalho, o longa-metragem fala sobre os assassinatos de jovens pobres, negros, residentes das favelas do Rio de Janeiro, pelas mãos de policiais. Auto de resistência é a forma como esses casos são geralmente arquivados, com o homem da lei alegando legítima defesa na explicação de seus atos perante a justiça. Tomando diversas ocorrências recentes de assassinatos e incluindo não apenas a acusação, mas a defesa dos policias no documentário, a dupla de cineastas faz um trabalho inquietante, mostrando o lado mais amargo da realidade de centenas de famílias que tem filhos ceifados de seu convívio.
Neri e Carvalho deixam a câmera contar a história. Sem uso de narrador ou de uma figura que faça a ligação entre os casos, a dupla costura a narrativa através das manifestações das mães que perderam seus filhos, por meio dos julgamentos dos policiais e do trabalho dos advogados de defesa e acusação, e assim por diante. Não temos os depoimentos padrão dos documentários. A história é contada de forma mais orgânica, como se a câmera nem estivesse nos locais. Ela é a mosca na parede. A testemunha não percebida e que a tudo captura.
A câmera, esse objeto tão caro aos cineastas, é também uma das protagonistas em determinados momentos. Por serem de fácil acesso, embutidas na maioria dos celulares, as digitais têm se tornado aliadas das vítimas de crimes, servindo como uma prova contra seus agressores. Em um dos eventos mostrados, uma câmera flagra policiais disparando uma arma, usando a mão de um jovem baleado para tal, na tentativa de incriminá-lo. Em sua defesa, o oficial apontou que o fez por motivos de segurança – a arma poderia disparar na mão de qualquer um, utilizando a do garoto, morto, para evitar um acidente. Os cineastas são inteligentes em incluírem a defesa e a acusação, provando que, mesmo com os dois lados sendo mostrados, a inconsistência de alguns argumentos é por demais óbvia.
Em outro caso, um grupo de amigos brincava com seu celular, gravando um vídeo, quando balas vieram em sua direção. Um dos jovens, Alan, foi morto. O outro, Chauan, conseguiu se recuperar do tiro que levou no peito, mas teve seu futuro como atleta prejudicado por conta do ferimento e do estigma de ter sido alvo da polícia. Não fosse a câmera dos garotos e a gravação feita dentro da viatura dos oficiais, talvez, nunca tivesse sido provada a inocência das vítimas. Por dar voz a esses casos, que provavelmente seriam esquecidos no mundo de notícias que todos os dias aparecem nos jornais, Auto de Resistência prova mais uma vez seu valor.
Impossível não se emocionar com os dramas daquelas mães, que clamam por justiça pela morte dos filhos. E é difícil ignorar, também, a aparição de Marielle Franco num dos momentos do documentário. A vereadora do estado do Rio de Janeiro, assassinada a tiros em março de 2018, está junto das mães, protestando, segurando um cartaz e fazendo ecoar sua voz com aquelas mulheres. Ela não depõe no filme e sua presença se dá rapidamente. Mas é o bastante para deixar uma marca no espectador. Nos créditos, Marielle é destacada in memoriam e o documentário é dedicado às mães e familiares de vítimas da violência do estado. Trabalho contundente, muito bem realizado, Auto de Resistência tem tudo para fazer barulho por onde passar, ainda mais depois de ter recebido merecidamente os louros do É Tudo Verdade.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Rodrigo de Oliveira | 9 |
Marcelo Müller | 9 |
Francisco Carbone | 9 |
Filipe Pereira | 8 |
MÉDIA | 8.8 |
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