Crítica
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Sinopse
Sully e Neytiri constroem uma família no planeta Pandora. Em meio a uma rotina de convivência harmônica com a natureza, eles enfrentam batalhas pela sobrevivência e têm de suportar o peso das eventuais perdas pelo caminho.
Crítica
Avatar: O Caminho da Água é aquele tipo de espetáculo cinematográfico que demarca uma posição industrial. Mais do que qualquer superprodução da Marvel, ele anuncia que os Estados Unidos ainda detêm um poderio produtivo que nenhum outro país consegue equiparar. É da espécie de filme-predador que entra de modo extrativista nos circuitos de países com poucas barreiras para a ocupação ostensiva das salas – no Brasil, ele estreou em cerca de 80% do parque exibidor. Portanto, comercialmente, o longa se comporta como o Povo do Céu, aquele que insiste em fazer de Pandora uma colônia da qual sugar recursos enquanto desfigura a paisagem. Na nova aventura que demorou 13 anos para chegar aos cinemas depois do sucesso estrondoso de Avatar (2009), a vilã segue sendo a humanidade agressiva. No entanto, os homens não mais querem extrair minérios do planeta dos Na’vi, pois empreendem uma terraformação a fim de abrigar a humanidade no futuro. Também é citada a extração de uma secreção animal como forma de lucrar sobre Pandora, mas nenhum desses objetivos é tão importante. Eles apenas existem para opor novamente os invasores e os nativos. Jake (Sam Worthington) e Neytiri (Zoe Saldana) agora têm uma família com filhos biológicos e postiços para cuidar. E, quando a ameaça surge novamente no céu, eles se deparam com os dilemas da maternidade e da paternidade.
O começo de Avatar: O Caminho da Água enche os olhos. O visual está ainda mais caprichado. Tanto que chega a ser assustador o nível de detalhamento desse mundo repleto de texturas que parecem orgânicas. Retomando o paralelo com os filmes do Universo Marvel – as grandes vedetes de Hollywood no momento –, não há qualquer comparação entre as imagens do novo filme de James Cameron e as que saem da linha de produção da editora que virou estúdio de cinema. De volta ao enredo, nesse momento inicial o mal está de volta, mas agora também em forma de avatares. O grande agressor da história é o backup azul de Quaritch (Stephen Lang), o líder militar que morreu no primeiro filme. Escapando do sistema imunológico de Pandora, seu esquadrão representante da humanidade toca o terror ao ponto de a família de Jake ser obrigada a abandonar a floresta em busca de um lugar seguro. A primeira parte do filme é uma introdução que reitera a sombra humana e sublinha o sofrimento pelo iminente cenário de não pertencimento. Jake lida disciplinarmente com a teimosia dos filhos, o que engatilha o grande tema da segunda parte: a ascensão dos jovens ao protagonismo. Quando recebidos pelo povo ribeirinho de Pandora, os membros da família desgarrada são atravessados por questões complexas que passam por obediência, rebeldia, adequação, amores, aprendizados e perdas.
A fim de dar espaço aos mais novos no miolo do filme, James Cameron transforma Jake num aconselhador que ocasionalmente aparece para sentenciar certos e errados. Nesse interlúdio exuberante, no qual a fauna e a flora submarina de Pandora são ostentadas à exaustão, Lo’ak (Britain Dalton) se torna a figura mais central. Filho de Jake e Neytiri, ele se apaixona pela herdeira da vila local, tem aventuras formativas de caráter e se ressente pelo fato de ser preterido como guerreiro em função do irmão mais velho, Neteyam (Jamie Flatters). No entanto, como o filme está demasiadamente preocupado com a suntuosidade visual, essas trajetórias afetivas e psicológicas são abreviadas ao ponto de se tornarem notas de rodapé. Lo’ak não é definido por uma angústia filial e tampouco tem motivos suficientes para se identificar com um ser marinho considerado pária. Recorrendo a expedientes didáticos, vide a caça marítima em que cada movimento é explicado como se precisássemos de um manual, o experiente James Cameron fragiliza o discurso emocional que adiante será novamente utilizado como lenha para queimar durante o clímax. Enquanto visualmente tudo parece extraordinário, os sentimentos em jogo são lapidados dentro da perspectiva ordinária. Porém, são pouco densos e profundos.
Um ponto interessante de Avatar: O Caminho da Água é como ele se socorre de alusões e imagens referenciais para gerar engajamento. Spider (Jack Champion) é um decalque de Tarzan – inclusive chamado de “menino macaco” –; Quaritch pegando a caveira do seu corpo humano remete diretamente ao momento “ser ou não ser” da peça Hamlet, de William Shakespeare; a caça ao animal marinho, especialmente a obsessão do capitão da embarcação, é uma menção ao romance Moby Dick, de Herman Melville. No entanto, são três elementos que não sustentam simbologias significativas. Spider perde rapidamente a importância, sequer justificando o vínculo de sangue com o inimigo enquanto algo suficientemente dramático. A citação indireta a Hamlet poderia significar que o militar vilanesco possui contornos shakespereanos, ainda mais ao descobrir que o filho de seu antecessor humano agora age ao lado do inimigo. Infelizmente não passa de um momento de homenagem ao bardo. Nada mais. Já a fixação do marinheiro pela presa enorme que pode lhe dar lucratividade inimaginável não tem tempo suficiente para ser mais do que um simplório sintoma da ambição capitalista. Portanto, James Cameron demonstra um repertório interessante de referências, mas as utiliza somente como piscadelas sem muita relevância dramática. O longa-metragem passa do miolo um tanto vazio a uma catarse no final.
De um lado, o espetáculo visualmente lindo. Do outro, motivações e costuras emocionais como adornos da paisagem vistosa e da ação. No entanto, o que mais incomoda em Avatar: O Caminho da Água é a sujeição de Neytiri a Jake. E isso não acontece apenas porque ela respeita o homem que ganhou o direito de liderar o povo da floresta. Em muitos momentos do filme, a Na’vi é tratada como apêndice da aventura, ora do marido, ora dos filhos. Tanto que ao grunhir de sofrimento por conta do luto, a matriarca é “trazida de volta à razão” pelo marido que pede dela um “coração forte”. Na mesma toada, ela sempre é voto vencido ou encarada como alguém que não tem estrutura racional suficiente para traçar os melhores planos. E esse tipo de desenho de personagem fica ainda mais desconfortável quando levamos em conta o fato de ela ter nascido em Pandora e, portanto, estar há mais tempo umbilicalmente atrelada àquele mundo. Ainda assim, é o humano convertido em Na’vi que tem as saídas para os problemas. Se há algo bonito na parte derradeira desse verdadeiro épico de proporções enormes é a possibilidade de os filhos também ensinarem algo para os pais. O saldo dessa empreitada tipicamente cameroniana é positivo. Porém, sobra uma sensação de decepção para quem esperava mais do que um avanço tecnológico borrando as fronteiras entre a ação ao vivo e os efeitos digitais feitos pela máquina.
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