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Sinopse

Avenida Beira-Mar conta a história de Rebeca, de 13 anos, uma menina que acaba de se mudar com a mãe. Um dia, ao chegar sozinha em casa, encontra uma outra menina no seu quarto. As duas não se conhecem, mas aos poucos formarão uma sólida amizade. Premiado no Festival do Rio 2024.

Crítica

As relações de causa e efeito se dão de forma quase imediata em Avenida Beira-Mar. Quando a mãe comenta que estão falando de possíveis assaltos no bairro para onde ela e a filha recém se mudaram, na cena seguinte a menina se depara com uma intrusa ao chegar em casa. Quando a mulher comenta que quer encher a piscina no verão, logo o espectador percebe que a recusa da garota em embarcar no plano materno se deve ao fato de que ela e a amiga se divertem longe dos olhos (e julgamentos) dos demais justamente naquela grande caixa vazia. Outros paralelos percorrem a narrativa. Porém, os diretores Maju de Paiva e Bernardo Florim, ambos estreantes no formato, compensam estas obviedades com trocas sutis entre as meninas, facilitando o entendimento a respeito da relação delas e sobre como se dará o fortalecimento dessa ligação. Uma vê noutra aquilo que lhe falta. Este jogo é o maior acerto do filme.

Rebeca (Milena Pinheiro) e Mika (Milena Gerassi) não se tornam amigas com um estalar de dedos. O que as aproxima, enfim, é o que as torna diferente da maioria. Rebeca acabou de se mudar com a mãe, Marta, vivida por Andréa Beltrão, para a casa que essa nasceu e foi criada, mas da qual se foi na juventude e nunca mais havia retornado. É um momento de abrir caixas, espantar o pó e desfazer as trancas das portas e janelas, permitindo que a vida ali mais uma vez se instale. A dinâmica entre as duas é direta, sem excessos de carinhos e dengues, mas com visível afeto. São só elas agora, e precisam fazer com que as coisas funcionem. Como as responsabilidades, que serão divididas. Marta, recém separada, vai voltar a trabalhar. A garota – “não sou mais uma criança!” – de 13 anos, portanto, passará muito tempo sozinha, principalmente à tarde, ao voltar da escola. E ela que tomará conta de tudo, ao menos até a chegada da mãe, à noite.

A primeira visão que Rebeca tem de Mika é no seu quarto, com o guarda-roupa aberto. Essa está de frente ao espelho, experimentando um sutiã daquela que nem conhece. A cena não é gratuita. Eis uma invasora, portanto. E ao ser pega, nem mesmo oferece uma explicação: pula a janela e desaparece rua abaixo, rumo à praia. A outra decide segui-la, e ainda que de uma forma enviesada, uma amizade surge. Pois se sentem deslocadas. A moradora da casa da frente, ao ver Rebeca chegando em casa, comenta com ela: “você e sua mãe são bem diferentes, né? Deve ter puxado ao pai”. Mas não há homem naquele cenário para confirmar essa suspeita. Porém, é uma lógica que não precisaria ter sido dita. Afinal, a mãe é branca. E a filha é negra. Essa evidência, porém, não se dá com Mika. Quando as duas estão voltando de um banho de mar, uma bola lhes acerta. Dois meninos se desculpam, a pedem de volta, mas em seguida um novo chute de um deles a acerta no rosto. Ao serem confrontados por aquela que se mudou há pouco, que não sabe se este encontro é ao acaso ou não, saem com um xingamento de “bixa nojenta, você não engana ninguém”.

Mas isso não é verdade. Pois havia gerado, no mínimo, uma confusão em Rebeca. E, provavelmente, também no espectador. Mika nasceu com o nome de João Pedro. Só que esse batismo não lhe serve. O problema é que ela também não se encaixa naquilo que os outros esperam dela. Sejam os meninos da pelada na areia, seja a vizinha fofoqueira, ou até mesmo sua mãe, que a pega pelos cabelos e a arrasta até o tanque para limpar sua cara ao vê-la usando um batom. Gerassi e Pinheiro surpreendem em composições delicadas, ainda que complexas, escondendo no não-dito muito daquilo que se passa com ambas. Beltrão tem mais do que seria necessário com o que lidar – a enfermidade que lhe abate talvez pudesse ter sido descartada pelo roteiro sem maiores prejuízos – mas seu olhar carrega um entendimento a respeito daquele drama juvenil, ao mesmo tempo em que se vê obrigada a lidar com as exigências adultas, que aumentam sua indecisão sobre como agir. Uma performance primorosa, por mínima que seja frente ao todo enfrentado pelas protagonistas juvenis.

Avenida Beira-Mar é um filme sobre ausências. O pai de Rebeca até lhe telefona, mas sua voz sequer é ouvida. A irmã de Mika, aquela que parece ser a única capaz de lhe entender, há muito partiu. Marta talvez seja a próxima. Quem irá oferecer a essas meninas o suporte de que tanto precisam? Maju e Bernardo não estão apressados em construir estas respostas. Preferem compartilhar esse processo com a audiência. É certo que os dramas que aqui são expostos e enfrentados não comportam soluções simplistas. Mas também não podem ser ignorados. Achar o espaço que cada uma delas irá ocupar nesse mundo, em busca de quem que as entenda, as aceite e, acima de tudo, as respeite, é um caminho. E como tal, esse só inicia quando o primeiro passo é dado. Não saber por onde começar é um sentimento universal. Se sentir perdido, quem nunca passou por isso? Desistir, porém, não é uma possibilidade. Entre erros e acertos, é assim que se segue. Tanto na ficção, quanto na vida real.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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