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Desde que as grandes editoras de histórias em quadrinhos (em especial, a Marvel) entraram de vez no mundo do cinema, algo que ensaiavam desde aos anos 1970 – o marco inicial pode ser apontado como tendo sido Superman: O Filme (1978), curiosamente, da rival DC Comics – o universo dos super-heróis e suas aventuras apocalípticas se confirmaram com o avanço dos anos e o montante crescente das bilheterias quase como um gênero à parte. E por mais que a frequência maior destes projetos se veja em Hollywood, não se pode afirmar que os Estados Unidos detenham um monopólio do tema. Outros países, como França (Como virei super-herói, 2020), Itália (Meu Nome é Jeeg Robot, 2015) e até mesmo Brasil (O Doutrinador, 2018, ou o futuro Overman, previsto para 2024), tem se arriscado pelas mesmas paragens. Assim como a Espanha, uma das mais recorrentes. Este Awareness: A Realidade é uma Ilusão é apenas o mais recente exemplo dessa linhagem, que ao mesmo tempo em que acerta por não fazer do caráter fantástico motivo de deboche (como a série O Vizinho, 2019-2021, que chegou a ter duas temporadas), derrapa em pretensões que vão além do seu potencial (ao contrário de Origens Secretas, 2020, mais contido nesse desenho, e por isso mesmo, de alcance maior).
Após ter comandado nos EUA o frustrante No Limite (2015), veículo para o pseudo-galã Taylor Lautner, uma aposta que não se confirmou, Daniel Benmayor voltou para Barcelona, onde nasceu. Desde então esteve envolvido com séries como Bem-vindos ao Éden (2022), e somente agora, mais seguro de si, parece ter reunido as condições suficientes para retomar o formato de um longa-metragem. E não o fez com uma investida menos ousada. Awareness (que pode ser traduzido como “conhecimento, tomada de consciência”) começa com um assalto não dos mais arriscados, ainda que impressionante: um homem rouba algumas garrafas de vinho de um mercado de bairro, enquanto o filho fica à espreita cuidando do movimento. O curioso é que a proprietária está diante deles, mas só percebe o ocorrido quando se afastam. Desesperada, vai atrás tentando recuperar o que lhe foi furtado. É quando o garoto, lhe apontando apenas os dedos da mão, a ameaça com uma arma – isso, ao menos, é o que ela enxerga. Tiros são disparados, e a senhora cai no meio da rua, ensanguentada. Tempo suficiente para os ladrões escaparem. Porém, quando alguém dela se aproxima para acudi-la, a encontra ilesa, sem nenhuma ferida.
Eis, portanto, o poder especial de Ian (Carlos Scholz, de Toy Boy, 2019): manipular a realidade e a percepção daqueles ao seu redor a respeito da mesma. Porém, seu alcance é limitado: assim que se afasta, aqueles afetados voltam a enxergar as coisas tal qual elas são, desfazendo-se a ilusão. Não há muito espaço, porém, no roteiro co-escrito por Ivan Ledesma (parceiro do cineasta desde Xtremo, 2021), para que essas habilidades sejam exploradas em outras ocasiões: há uma perseguição de carros que termina em meio a uma tempestade de neve (apesar do dia ensolarado) ou mesmo um passeio pelo shopping (cujos truques servem para despistar curiosos). No entanto, essas são apenas distrações rumo ao que de fato está se passando: uma caçada contra o rapaz, entre os que afirmam estarem interessados em aprender com ele e protegê-lo, e os que se declaram como parte de uma organização de pessoas como ele e que, perto de ser extinta, precisa de sua ajuda para combater os demais, que, por trás daquelas declarações, seriam a real ameaça.
Uma vez este cenário estabelecido, tem-se um jogo de cartas marcadas, mentiras dissimuladas e verdades escondidas no melhor estilo capaz de apresentar reviravoltas de última hora, durante um desenrolar em que nada é, de fato, como parece ser. Se nem mesmo a relação entre Ian e o pai, vivido por Pedro Alonso (La Casa de Papel, 2017-2021) está isenta de surpresas, o que dizer de todos esses recém-chegados que parecem saber mais a respeito dele do que ele próprio? Quando a única pessoa que se mostra digna de confiança é a misteriosa agente Esther (Maria Pedraza, de As Garotas de Cristal, 2022), tudo se torna ainda mais nebuloso. Por um lado, é mais um elemento em cena a contribuir com o suspense: haveria, portanto, a possibilidade de uma terceira via, ou seja, não teria que o protagonista pender para um lado ou outro e, simplesmente, criar o seu caminho sem se meter com nenhum dos grupos que tentam controlar sua história e poderes, ou teria ele que fazer uso destes para se livrar de qualquer tipo de influência e criar uma nova realidade para si, longe de tudo – e de todos?
Nesse exercício de imaginação, Awareness: A Realidade é uma Ilusão aprofunda o interesse capaz de despertar na audiência pelos temas que conduz e, em especial, no debate que apresenta: até que ponto se pode confiar naquilo diante de si? Seria a visão o único dos sentidos de fato infalível, ou estariam nos outros as provas necessárias para qualquer teste de fogo que se coloque diante do herói e seu destino? No elenco, o destaque é Alonso, que imprime densidade e consistência tanto nas decisões do passado – e o peso de suas consequências – como nas responsabilidades com as quais lida até o presente. Scholz, por sua vez, parece ter sido escolhido apenas pelo porte de galã, enquanto que Óscar Jaenada (Cantinflas: A Magia da Comédia, 2014) frustra qualquer expectativa em relação ao seu nome por se mostrar cômodo como apenas uma máscara, um enigma a ser solucionado do modo mais previsível possível. Benmayor é eficiente em reunir um conjunto de elementos curiosos, mas falha em manipulá-los a ponto de gerar algo original, optando por soluções fáceis (as sequências de ação chegam a ser irritantes de tão óbvias) que servem apenas para acentuar as limitações orçamentárias do projeto. Poderia ter ido longe, mas substituindo criatividade por recursos genéricos, termina por cair em uma vala comum, sem nada que o diferencie de tantos outros similares que volta e meia surgem de maneira indiscriminada.
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