Crítica
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Sinopse
O casal formado por Catita e Irmã Darlene vive em uma casa isolada, em meio a imenso canavial. Ele participa escondido do Maracatu, combatido como coisa do demônio pelo pastor Barachinha, líder da igreja frequentada pela fiel Darlene. Também no canavial, um pai de santo pratica um ritual religioso com cinco caboclos, que incorporam entidades e desaparecem. A cidade de Nazaré da Mata testemunha esses acontecimentos misteriosos.
Crítica
Na pequena Nazaré da Mata, há um embate ruidoso e cotidiano. De um lado, a alegria e a ancestralidade do Maracatu. Do outro, a sisudez da evangelização neopentecostal que abomina o júbilo das festividades tradicionais por associa-las aos desígnios do demônio. Entre os diversos personagens que interagem em Azougue Nazaré para formar um painel naturalista e consistente desse círculo tensionado, Catita (Valmir do Côco, de interpretação forte) se veste de mulher para cair na folia, isso enquanto não está labutando nas plantações de cana-de-açúcar, principal produto da região. Sua esposa é a Irmã Darlene (Joana Gatis), temente a Deus e admiradora dos sermões do Pastor (Mestre Barachinha). Este antes mestre da manifestação folclórica cultiva no presente a ojeriza de seu passado como destacado linha de frente do baque solto, a vertente peculiar da cidade. Porém, antes de abordar essa disputa, a produção cria habilmente a atmosfera, apresentando figuras e conjunturas nem sempre desenvolvidas para além do que simbolizam.
O cineasta Tiago Melo transita por relações e ambientes, ressaltando determinadas características. Por exemplo, a insatisfação de Tita (Mohana Uchoa) no casamento com o chaveiro local. Embora o filme somente mostre a dinâmica, sem oferecer desdobramentos que a atrelem estrita e formalmente à sua temática essencial, a mesma serve para ampliar o leque das pessoas registradas, assim substanciando a comunidade. Portanto, a habilidade do cineasta reside na disposição, até nesses segmentos basicamente autônomos da contenda centralizada, de princípios enriquecedores à concepção do entorno. Ainda que se não vá longe com o enrabicho de Ítalo (Edilson Silva) pela amante, ele é vital para compor a organicidade almejada, condicionada, principalmente, pelo caldo cultural/sincrético no âmago daquela população. As batalhas de rima são indícios evidentes dessa preocupação com a consistência e a verossimilhança da construção social de Nazaré da Mata.
Tiago Melo adentra no terreno do imponderável por meio dos lanceiros, figuras basilares do Maracatu, aqui desenhados como guardiões de intenções fagueiras. Trafegando pela corrente elétrica, esgueirando-se nos canaviais, eles zelam pela tradição que remonta à origem afro-brasileira de ritmos e rituais. Aliás, não é apenas por ter um elenco prioritariamente negro que Azouge Nazaré se posiciona claramente dentro das discussões raciais que felizmente sobrevém atualmente. A defesa das culturas tão presentes na região, diretamente enfrentadas pelos evangélicos que demonizam os procedimentos das religiões de matriz africana, está presente na resistência de Catita, na forma como ele ressurge do quase obscurantismo pronto a assegurar seu direito de brincar e dançar, sem com isso perder automaticamente a relação com o deus de sua crença. Quando afunilado nele e na Irmã Darlene, na discrepância doméstica que representa a imagem ampla, o filme ganha potência.
Um dado bastante perspicaz de Azouge Nazaré é o fato de beber pontualmente no absurdo da realidade para asseverar seus pontos de vista. Tiago Melo recria um famoso episódio verídico, protagonizado pelo pastor de Vila Nova de Colares, no Espírito Santo. O religioso transou com várias fieis por interpretar erroneamente uma passagem bíblica. No filme, o realizador gera um carbono da situação, criticando a ignorância atrelada à suposta permissividade fornecida pelas palavras das divindades. Uma pena que não haja um desenvolvimento maior das instâncias fantásticas, vislumbres mais significativos dos lanceiros como representantes de uma resistência à dominação do povo à mercê. Todavia, o longa-metragem exala frescor, sobressaindo pela forma como vai de um segmento ao outro, oxigenando o todo e potencializando a coerência de um discurso poroso o suficiente para comportar minúcias e complexidades. Na luta então focalizada, o dragão da maldade é a catequização excludente e o santo guerreiro assume a forma de um brincante de Maracatu.
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