Crítica
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Sinopse
A ascensão e a queda de vários ambiciosos e sonhadores na efervescente Hollywood dos anos 1920.
Crítica
“Os filmes é que ficaram pequenos, pois eu continuo grande”, afirmava Norma Desmond. Esse entendimento não apenas carece ao galã Jack Conrad (Brad Pitt, em interpretação preguiçosa, acreditando que bastava um sorriso no rosto e um porte atlético para conquistar audiências nos anos 1920), mas ao próprio Damien Chazelle, que investe em excessos como se esses fossem suficientes por si só, sem se preocupar em oferecer uma ligação coesa entre eles e o discurso sobre o qual tenta a todo momento se apropriar, sem, no entanto, realizar tal proeza com efeito. Sua Babilônia reside basicamente apenas na forma, visto que o conteúdo se verifica esvaziado de maiores e relevantes significados pelo uso desmedido de imagens de impacto em meio a uma narrativa que aposta no caos como elemento mais de afastamento do que de aproximação. Quando tudo soa demasiado, o que deveria ser exótico se torna normal, e é o todo que termina sacrificado pela pasmaceira que lhe abate. No final das contas, no meio de uma profusão de fogos de artifício, resta apenas o cheiro do queimado e o vazio de um estrondo que não encontra repercussão.
O protagonista é, não por acaso, um imigrante. Manuel, ou apenas Manny, é o ser deslocado, aquele que não se encaixa em um cenário não apenas de plumas e paetês, mas de sexo e drogas, de excrementos e violências, de vícios e anomalias. Vivido pelo novato Diego Calva (Te Prometo Anarquia, 2015), aqui em sua estreia em Hollywood, ele é não mais do que um observador – exatamente o posto que Chazelle almeja para o seu espectador. Será a partir dessa condição passiva, daquele que aceita tudo que lhe é dirigido sem protestos ou agradecimentos, apenas absorvendo silenciosamente, como se essa fosse uma relação entre mestre e aprendiz (sendo que nem um, nem outro se mostra como acurado). O diretor – vencedor do Oscar por La La Land: Cantando Estações (2016), quando tinha apenas 32 anos – vem confirmando a cada novo passo ter sido tomado por uma soberba e arrogância poucas vezes vista. Não que seja desprovido de talento (pelo contrário, aliás). No entanto, o uso desse tem se dado por meio de uma ambição que não encontra reflexo no trabalho exibido na tela. Se o consagrado musical era não mais do que uma colagem de obras clássicas (inventiva, sim, ainda que não original), o seguinte O Primeiro Homem (2018) tornava evidente um sinal de alerta de que algo não estava como se poderia esperar. Uma suspeita que agora se confirma sem ressalvas (ou repleto delas, dependendo do ponto de vista).
Leva-se mais de três horas – Babilônia tem praticamente a mesma duração de Avatar: O Caminho da Água (2022), com o qual compartilha uma narrativa igualmente modorrenta desprovida de novidades, com o acréscimo de lhe faltar qualquer rastro de deslumbre técnico – para chover no molhado. Manny é não mais do que um faz-tudo, um serviço braçal eficiente e barato que, por acaso do destino, acaba caindo nas graças de um grande astro do cinema (o já citado Pitt). Esperto e antenado, rapidamente vai conquistando um espaço de prestígio na indústria de entretenimento, posição que coloca em risco pela obsessão que desenvolve por outra estrela em ascensão: Nellie LaRoy (Margot Robbie, se mostrando quase como uma Arlequina mais – ou menos? – comportada, reforçando suas características evidentes, esbanjando charme e carisma justamente por transitar por sua zona de conforto, sem demonstrar apelo ao risco ou ao inesperado).
Os rumos dos dois vão se cruzando por meio de coincidências absurdas (algo que o cineasta já havia explorado em filmes anteriores), e se no começo era apenas uma troca de interesses, a necessidade fará que esses contatos, antes eventuais, se transformem em – ou, ao menos, caminhem na direção de – algo sólido. Mas como torcer por uma dupla que simplesmente não funciona quando colocada lado a lado? Manny e Nellie podem ser bons amigos, mas nunca como amantes. Visto que o único beijo que trocam se dá quase já ao término desse extenuante tortura (um último recurso, talvez?). Entre altos e baixos, as referências tratam de se multiplicar na tela, indo da citação propícia à repetição insistente. Não basta reciclar o mesmo enredo de Cantando na Chuva (1952). É preciso expô-lo visualmente, tanto no original quanto em sua reinvenção mais conhecida. O didatismo é tamanho que não teria como terminar de maneira diferente: em um videoclipe explícito que vai de ...E O Vento Levou (1939) a Matrix (1999), como se cada lembrança fosse suficiente para registrar um amor tão vazio quanto a conexão entre personagens satisfeitos em se mostrarem como meros arquétipos, e nunca tipos dotados de anseios e motivações próprias.
Em um dos poucos momentos interessantes da trama – escrita, veja só, pelo “eu sou mais eu” Chazelle – Conrad concede uma entrevista à colunista de fofocas Elinor St. John (Jean Smart, mal aproveitada, tentando emular os ares de uma pré-Hedda Hopper, enquanto seus esforços são sabotados por figurinos espalhafatosos que se sobrepõem ao lado de meras frases de efeito) – numa tentativa desesperada para recuperar a fama de outrora, quando o cinema mudo ainda ditava as regras. Porém, o tempo passou, e na virada da década são os “talkies”, ou seja, os filmes falados que agora fazem a alegria das multidões. Ela, ciente de seu papel, inverte as palavras do entrevistado e publica uma matéria que é quase um obituário, a pá de cal que faltava em sua sepultura. Revoltado, ele vai em busca de satisfações, para receber como resposta o óbvio: “os filmes seguem grandes, você é que ficou pequeno”. É a inversão do clássico. O tapa de luvas de realidade que lhe oferece é o bastante para acabar com qualquer pretensão de continuidade. Independente de qual lado da tela se esteja. É o adeus necessário a um longa pretensioso que não se confirma como crítica, homenagem ou nostalgia. É apenas redundante, caricato e dispersivo. E terrivelmente entediante.
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