Crítica
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Sinopse
Em Baby, logo após ser liberado de um Centro de Detenção para jovens, Wellington se vê à deriva nas ruas de São Paulo. Durante uma visita a um cinema pornô, ele conhece Ronaldo, um garoto de programa, que lhe ensina novas formas de sobreviver. Aos poucos, a relação dos dois se transforma em uma paixão cheia de conflitos, entre a exploração e a proteção, o ciúme e a cumplicidade. Premiado no Festival de Cannes 2024.
Crítica
Assim que acaba a sua pena num centro de correção juvenil, Wellington (João Pedro Mariano) faz o óbvio: tenta voltar para casa. No entanto, ao bater na porta da residência de sua família ele recebe a notícia de que o pai e a mãe foram embora sem deixar vestígios. Portanto, Baby começa com um gesto eloquente de abandono que determinará a busca do protagonista por uma nova família. Aliás, essa tentativa de encontrar um lar é mais importante como motor narrativo do que o relacionamento que o rapaz engata com o experiente garoto de programa Ronaldo (Ricardo Teodoro). De toda forma, este homem que garante o seu ganha-pão com sexo pago em inferninhos, cinemas eróticos e outros lugares propícios à pegação adota Wellington e passa a chama-lo de Baby – uma espécie de apelido genérico para alguém inexperiente. Esse protagonista que começa a trama sendo renegado por pai e mãe vai encontrar em Ronaldo a proteção de alguém mais velho, o teto que garantirá sobrevivência longe dos perigos das ruas e até mesmo uma profissão que o sustenta. Os dois começam a trabalhar juntos. Criando uma dinâmica em alguns pontos edipiana, já que Ronaldo também é uma figura paterna, o cineasta Marcelo Caetano faz de seu novo filme um drama bem mais calmo e reflexivo do que se poderia esperar do novo passo do diretor de Corpo Elétrico (2019), o seu debute expansivo e energético.
Há um cineasta com o qual Marcelo Caetano parece se filiar, ao menos sentimentalmente, em Baby: Rainer Werner Fassbinder. Considerado um iconoclasta que ajudou a remodelar e revolucionar o cinema alemão depois da Segunda Guerra Mundial, Fassbinder dirigiu alguns filmes nos quais personagens LGBTQIAPN+ são enxergados como símbolos dos excluídos numa sociedade que não dá brechas para quem foge de uma normatividade mesquinha e perigosa. No que Caetano mais parece se aproximar do cinema de Fassbinder, desta vez, é o retrato de personagens afetivamente carentes em busca de algo. Alguns deles são portadores até de certa inocência propositadamente idealizada para servir como um espelho a fim de refletir a sordidez do mundo. Baby é essa figura frágil, mesmo que tente manter uma atitude afirmativa diante da hostil realidade disposta a desampara-lo. Quando Ronaldo passa a exercer, mesmo que inconscientemente, algum poder sobre ele, a resposta é a rebelião característica da juventude indisposta com compromissos restritivos e correntes. Diante dos fornecedores de drogas que permitem à dupla traficar substâncias ilícitas visando as suas sobrevivências, Baby não pretende baixar a cabeça. Mas, no íntimo, ainda assim é um jovem que não disfarça a sua vulnerabilidade. Trata-se de um protagonista que experimenta possibilidades num contexto que o desfavorece.
Baby é muito menos tórrido do que se poderia imaginar. A relação entre Ronaldo e Baby é complexa, ora adquirindo sintomas de dinâmica entre pai e filho, ora descambando para uma parceria de negócios que envolve sexo e pontuais confusões de sentimentos. Marcelo Caetano filma o erotismo mais como uma força necessária do que necessariamente enquanto uma potência transgressora. As cenas de relações sexuais são muito elegantes, sugestivas e tendem a não causar escândalo até mesmo se contempladas por uma plateia mais conservadora – se bem que essa fatia do público se horroriza com qualquer manifestação de desejo sexual. Ainda no paralelo com o cinema de Rainer Werner Fassbinder, Caetano se aproxima do falecido colega alemão no quesito melancolia, sobretudo ao extrair de certas situações um dado desolador. Como quando Baby tenta se reconectar com a sua família e acaba descobrindo que não sabia da missa a metade em relação aos últimos acontecimentos. Fugindo às convenções, Caetano faz como Fassbinder em alguns de seus principais filmes: se aproxima dos estereótipos e dos clichês apenas para capturar nossa atenção, mas abandona esse barco antes de cair numa vala comum. Nesse reencontro de Baby com a mãe, por exemplo, o cineasta chega perto da catarse, mas a breca e toma caminhos bem menos conciliadores. Já o pai é uma figura completamente alheia.
Se falta algo a Baby é um pouco de intensidade emocional, de instantes que eletrifiquem essa ciranda, então, meio morna de amores e experiências. Em parte, isso tem a ver com a repartição dispersiva das atenções entre Baby e Ronaldo, mais especificamente ao tempo de tela dispensado ao homem que faz da prostituição e do tráfico as formas alternativas de continuar existindo. Uma vez que o filme é, na essência, sobre a procura de Baby por famílias substitutas, talvez a trama ganharia em eloquência se fosse concentrada apaixonadamente nesse personagem, se o estudasse da superfície às minúcias. No entanto, o caminho proposto pelo roteiro da autoria do próprio Caetano em parceria com Gabriel Domingues é o da coleção de figuras à deriva que também tentam desesperadamente encontrar os seus portos-seguros, assim funcionando como espelhos que repetem a imagem gerada por Baby. Mesmo com essas ressalvas, o segundo longa-metragem de Marcelo Caetano é um filme bonito sobre pessoas solitárias e suas tentativas nem sempre ortodoxas de encontrar calor no corpo e na companhia do outro. Novamente trazendo Fassbinder para a conversa, o jovial Baby ora se assemelha ao protagonista de O Direito do Mais Forte é a Liberdade (1975), ora parece o personagem principal do título mais sugestivo da carreira de Fassbinder: Eu Só quero Que Vocês me Amem (1976).
Filme visto no 26º Festival do Rio em outubro de 2024.
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