Sinopse
Em Babygirl, uma executiva de alto escalão (Nicole Kidman) coloca sua carreira e sua família em risco. Isso porque começa um tórrido caso com seu estagiário (Harris Dickinson). Às escondidas, ela participa de jogos de inversão de poder. Premiado no Festival de Veneza 2024.
Crítica
De maneira eloquente, Babygirl começa com uma mulher fingindo orgasmo e termina com ela tendo um de verdade. A partir da leitura dessa frase, pode-se imaginar que houve uma trajetória de transformação, que a protagonista antes obrigada a performar para não criar problemas no casamento teve ganhos ao ponto de não mais precisar mentir a respeito de sua satisfação sexual. No entanto, não é bem isso o que acontece. A cineasta Halina Reijn, a mesma do slasher teen Morte. Morte. Morte. (2022), bebe na fonte de alguns softcore como Atração Fatal (1987), mas tentando chegar a um resultado maduro quanto à discussão do sexo dentro de uma perspectiva de poder. Mais ou menos como fez Michael Haneke em A Professora de Piano (2001). Porém, o saldo não é sensual como no primeiro exemplo, tampouco intenso/profundo como no segundo. Assim, fica num meio termo às vezes incômodo, em outras vezes satisfatório pelas discussões interessantes colocadas na mesa. A personagem principal é Romy (Nicole Kidman), executiva de uma empresa que lida com automação logística. Daquele tipo de personagem que parece ter se desumanizado com o passar dos anos pelas exigências dos meios corporativos, ela não consegue atingir o clímax do prazer com o marido atencioso interpretado por Antonio Banderas. Por isso sai de fininho depois do ato sexual e se masturba clandestinamente. Não há diálogo possível ali.
Aliás, o personagem de Antonio Banderas é interessante como contraponto ao comportamento fálico da protagonista. Trata-se de um homem gentil, atencioso, disponível e aparentemente apropriado como pai dentro dos padrões tradicionais. Quando muito ele demonstra falta de autoestima como diretor teatral, logo se encaixando perfeitamente no arquétipo da vítima quando Romy começa a ter um caso com Samuel (Harris Dickinson), o estagiário enigmático que chama a atenção da empresária ao acalmar uma cadela pronta a atacar. No entanto, o esposo devotado mostra um pouco dos lados ocultos de sua personalidade quando mais à frente recebe as confissões da esposa sobre fetiches como se ela estivesse cometendo um crime. Aliás, Halina Reijn poderia aproveitar muito mais esse “chá de revelação” da masculinidade tóxica de um homem superficialmente cordial, mas a isso prefere não estender demais a conversa. E este é o principal dos problemas de Babygirl: a falta de fôlego dos assuntos e dos diagnósticos. Com um roteiro excessivamente fragmentado assinado pela própria cineasta, o filme vai pulando de uma circunstância a outra sem consolidar uma visão contundente sobre os tópicos. Halina parece enfeitiçada demais pela performance de Nicole Kidman para elaborar determinadas coisas que simplesmente aparecem e morrem no filme. Isso sem contar alguns enunciados um tanto vagos.
Babygirl se apoia demais na atuação de Nicole Kidman como mulher aparentemente fria, mas que esconde seus desejos de uma sociedade capaz de a considerar anormal. Tanto que ela diz “eu queria ser normal”. Claro que Halina Reijn está falando de um meio ambiente e, mais ainda, de uma sociedade que evoluiu pouco quando o assunto é a discussão do desejo. Por um lado, temos atualmente bem mais espaços para discutir assuntos como não monogamia e modelos alternativos de relacionamento, assim não estigmatizando o desejo. Por outro, o crescimento do conservadorismo causou retrocessos com certeza. De todo modo, Halina filma o envolvimento às escondidas de Romy e Samuel como se ele fosse o suprassumo da subversão dos valores sociais. Um filme considerado sem muito valor artístico (na época de seu lançamento) como Atração Fatal fez mais em termos de externar a intensidade sexual dos personagens do que a nova produção com o selo da A24 (uma queridinha dos cinéfilos mais jovens). No entanto, é interessante perceber as qualidades do longa, principalmente as conexões entre sexo e poder. Romy é uma mulher que tem poucas pessoas acima dela no organograma da empresa. E se excita justamente pelo subalterno Samuel virar a chave e assumir o papel desejado do “homem que manda” que a leva a vivenciar experiências estimulantes por ser encurralada e receber ordens.
Mesmo que seja fragmentado demais, Babygirl tem bom ritmo e vale pelas propostas. Somos presos nessa teia de seduções e fetiches, testemunhando a implosão interna de uma mulher que se sente prisioneira de si porque a exposição de suas fantasias sexuais pode estigmatiza-la. Sendo uma empresária bem-sucedida, ela sabe que não pode misturar as coisas, sob a pena de perder o império que construiu emulando uma dureza masculina. Nicole Kidman está muito bem, mas talvez seu reconhecimento na temporada de premiações (inclusive com algum favoritismo ao Oscar 2025) seja um tantinho desproposital. A não ser que admiremos incondicionalmente, como ato de coragem artística, a simulação do sexo e a nudez. Sempre com uma expressão meio assustada, Nicole constrói a protagonista como vítima da sociedade levada a assumir a culpa pela vergonha de ser uma mulher que deseja fora dos padrões convencionais. Mas nisso poderia ir além. As metáforas são escancaradas e o discurso sobre feminismo surge de modo engessado na boca de uma coadjuvante. Aliás, Esme (Sophie Wilde) merecia mais tempo de tela em prol da elaboração da ideia de alguém disposta a sustentar farsas, desde que isso se torne positivo para alavancar a carreira de outras mulheres. Há boas sugestões, mas elas são insuficientemente desenvolvidas porque o filme é pautado pelo tour de force de Nicole Kidman. Trata-se de uma produção que tenta ser ousada, mas que não confirma a ousadia nas suas cenas de “bom gosto”.
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