Crítica


6

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Em Bagagem de Risco, Ethan Kopek é um agente de segurança de um grande aeroporto. Seu cotidiano é virado de cabeça para baixo quando é chantageado e acaba deixando um pacote perigoso entrar em um voo na véspera de Natal. Com Taron Egerton.

Crítica

Ethan (Taron Egerton) trabalha na segurança de um aeroporto e está prestes a ser tornar pai. No entanto, encontra-se profissionalmente estagnado e frustrado por não ser policial. Sua esposa é daquele tipo de personagem que existe para lhe dar suporte e ser um ponto fraco quando o vilão aparecer. Ethan é o homem que se cobra uma postura proativa, mais ou menos o que se espera de uma figura masculina provedora dentro de uma perspectiva tradicional de família nuclear. E tudo o que acontece em Bagagem de Risco, do terrorismo capaz de matar muita gente, até o discurso político raso que motiva a ação dos bandidos, funciona somente para o protagonista provar o seu valor e finalmente adquirir o distintivo de chefe da casa (o de polícia é brinde). A iniciativa de ambientar um suspense de ação num aeroporto lotado às vésperas do Natal é uma excelente ideia. Pense na quantidade de pessoas ansiosas para embarcar logo a fim de curtir o feriado e como isso naturalmente cria um caldeirão de tensões, de atitudes impensadas e estresse. Na verdade, a gente nem precisa pensar muito nisso, pois o roteiro assinado por T.J. Fixman e Michael Green coloca essa interpretação na boca de um personagem. De todo modo, as coisas começam a ficar pesadas quando Ethan é abordado remotamente pelo sujeito que o obriga a deixar passar uma mala pelo raio-X do local, caso contrário mataria a sua esposa grávida.

Bagagem de Risco está mais para um filme de ação do que necessariamente para um suspense, embora tenha elementos de ambos os gêneros. Jaume Collet-Serra se dá bem criando situações de emergência, momentos em que os personagens têm pouquíssimo tempo para decidir entre alternativas que podem determinar vivos e mortos. No entanto, o primeiro problema desse filme lançado no Brasil diretamente na Netflix é como ele abandona rápido a ótima ideia do aeroporto apinhado de gente em época pré-natalina – obstáculo natural, tanto para os vilões quanto para o mocinho esforçado encarregado de salvar o dia. O cineasta espanhol praticamente ignora o potencial do contingente humano estressado no aeroporto, também passando batido pela tensão gerada em filas intermináveis, pelos voos eventualmente cancelados, por erros interrompendo planos de viagem, entre muitas outras coisas. Nas cenas de perseguição, ele também enfatiza mais a correria genérica do que o aspecto labiríntico do local, assim declarando novamente a sua predileção pela ação em detrimento do suspense. Mesmo que utilize vários expedientes característicos do thriller, como a bomba que precisa ser desarmada antes de uma tragédia e outras corridas contra o relógio, Collet-Serra sempre abandona o suspense em função da ação. Isso também condiciona o desenho dos personagens a partir de características simples.  

Ethan é um homem bondoso disposto a fazer o certo. Por isso, ao ser chantageado remotamente pelo personagem interpretado por Jason Bateman, ele sempre tenta uma saída honrosa e heroica de situações potencialmente angustiantes. Assim, o filme vai sendo cada vez mais sobre as provas de coragem do que necessariamente a respeito dos dilemas morais enfrentados pelo sujeito obrigado a escolher entre a vida de centenas de pessoas e a da esposa grávida. Aliás, em nenhum momento da trama essa dúvida ganha algum peso dramático, pois está implícito que o homem de família não ficará em dúvida se for obrigado a decidir. Desse modo, Jaume Collet-Serra perde de vista um embate ético interessante. Mas, lembrem-se: estamos diante de um conflito que, no fim das contas, serve para o protagonista provar a sua capacidade como macho provedor e assim se credenciar a ser pai. Mais ou menos o que acontece em Duro de Matar (1988), não à toa também ambientado na época natalina, em que o personagem principal faz das tripas coração para salvar um prédio de terroristas, mas, na verdade, tudo não passa de uma demonstração de valentia capaz de reatar os laços de seu casamento que parecia fadado a acabar. No entanto, o filme estrelado por Bruce Willis está cinematograficamente muito à frente deste, sobretudo porque faz das proezas do provedor uma pirotecnia cada vez mais empolgante.

Há bons momentos em Bagagem de Risco, especialmente quando o diretor opta por soluções menos simplistas para problemas complicados. Como quando Ethan paradoxalmente precisa prejudicar um amigo para salvar a família dele ou nas vezes em que o filme ressalta a necessidade de ser inteligente para vencer o jogo de xadrez com o malfeitor. No geral, as perseguições têm um efeito passageiro. Isso porque o roteiro aposta numa correria que não oferece tempo para as suas consequências serem devidamente absorvidas e elaboradas pelo público. Em meio a toda essa movimentação, Jaume Collet-Serra propõe várias perguntas ao espectador: Ethan seguirá as orientações do bandido? Se sim, as pessoas morrerão? Se não, a esposa grávida será assassinada? O que está dentro da mala? Qual o motivo do plano malvado? E o cineasta vai renovando as dúvidas com frequência, o que mantém o bom ritmo da trama. Mas, note que esses questionamentos dizem respeito a um raio muito pequeno em torno do protagonista, o que confirma aquela interpretação da negligência quanto ao cenário como um todo. Tanto que ao ser revelado, o motivo dos bandidos nem é tão impactante assim. Se fosse, poderíamos fazer ainda mais objeções a ele, pois transforma em vítima alguém querendo investimentos para ajudar “democracias em crise” – desculpa utilizada pelos EUA imperialista. Genérico, mas não monótono, o filme é sobre um homem querendo ser validado socialmente como marido e pai.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *