Crítica
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Sinopse
Um solitário homem de meia-idade conhece uma fotógrafa bem mais jovem que o incentiva a enfrentar os fantasmas de seu passado.
Crítica
Ainda que não seja um dos nomes mais populares entre os cinéfilos brasileiros, Zhang Lu já esteve em outras três ocasiões no Festival de Berlim – ou seja, se trata de um habitué na Berlinale. Porém, há quase duas décadas, desde Hyazgar (2007), que um trabalho seu não era selecionado para a mostra competitiva principal (nesse meio tempo, marcou presença em seções paralelas, como a Geração ou a Forum). Pois esse hiato chegou ao fim com The Shadowless Tower, seu mais recente trabalho. O filme, um dos dois representantes da China na seleção deste ano, é também um dos mais longos a integrar essa que é a maior vitrine do evento (são 144 minutos de duração). Sua estrutura, no entanto, não é muito diferente de uma peça teatral: na maior parte do tempo, o que se tem são duas (ou mais) pessoas em cena, geralmente apenas conversando uma com a outra. Por mais que circulem por diferentes cenários e se mostrem dispostos a todo tipo de troca, é no diálogo que seus conflitos afloram e são resolvidos, demonstrando um apreço à verborragia que faria muitos cineastas franceses corarem (se de inveja ou repulsa, isso fica a critério do espectador). A questão maior é que, apesar dessas características que supostamente atuariam para impedir uma maior aproximação com o público, não chega a ser o que se verifica com o desenrolar dos acontecimentos. Eis, enfim, uma trama que funciona a despeito dos elementos que escolhe como parte de si, mostrando que, quando combinados com esmero e objetividade, nem tudo resulta em previsibilidade.
Em mais de um momento, os protagonistas de The Shadowless Tower – ou A Torre Sem Sombra, em tradução literal – se questionam, justamente, por onde andariam suas próprias sombras. A referência está expressa no título: existiria, no centro de Pequim, uma construção levantada com tal técnica que teria resultado no efeito de impedir sua imposição enquanto ausência da luz. Para percebê-la, portanto, se faz necessário encará-la de frente, não bastando observar seu efeito sobre os demais que, de um lado ou de outro, se arrisquem a circundá-la. Da mesma forma se manifestam os dramas desses personagens, pessoas capazes de levar uma vida inteira fugindo dos seus próprios problemas, quando tudo o que necessitam é de maturidade suficiente para lidarem não apenas com suas limitações, mas também com o alcance de cada um ao seu redor.
São pessoas, em última análise, em busca da paternidade. O homem cujo pai foi embora quando ele era pequeno, a garota órfã que ocupa seus dias cuidando de meninos e meninas carentes, o senhor que levou uma existência solitária por não conseguir se reconciliar com os fantasmas que deixou para trás, a menina que exulta a cada contato paterno justamente por não o ter por perto na maior parte dos dias. A carência, enfim, dita muitas das regras que os envolvem, servindo de modo determinante tanto para aproximá-los como, e principalmente, quando responsáveis por afastamentos radicais. Quando uma jovem se aproxima do rapaz deixando evidente seu interesse nele, volta e meia recaem em um debate sobre a diferença de idade entre eles – a ponto de, para provocá-lo, ela chegar a fingir estar ao lado do pai quando na frente de outros. Em caminho inverso, as mães são figuras ausentes: a da criança está doente, a dos irmãos faleceu há pouco, a da moça nem chega a ser mencionada. A única que se faz presente não apenas é desprovida de filhos (é de criação), como é severa com o marido, assumindo uma conduta alfa no relacionamento. Tem-se, portanto, um contexto no qual a única mãe viável parece ser aquela que assume um comportamento... paternal, digamos.
Com esses elementos em cena, o que busca Zhang Lu? Discutir tabus e tradições? Ou apenas ilustrar possibilidades familiares alternativas? Nem tanto um, muito menos outro. O cenário que busca estabelecer contornos é vasto, e não há pressa em determinar seus limites. Assim, o crítico gastronômico que só consegue se sustentar por ter deixado a filha sob os cuidados da irmã e por ter herdado um quarto improvisado para chamar de lar, reluta em aceitar que possa se motivo de interesse romântico de alguém que soa tão moderna e desprendida. Porém, quando essa começa a permitir vislumbres do que carrega consigo a cada baixa da guarda, um entendimento maior entre eles irá aflorar. Ainda assim, é a solidão que dita as suas existências. E somente ao aceitar a necessidade que tem em retomar contato com aquele que ele já foi, e que um dia voltará a ser, é que talvez o círculo se complete. Os caminhos são muitos, por vezes sem saída, em outras repletos de tantos desvios e reviravoltas que dão a impressão de não terem mais fim. Mas o destino, independente de qualquer escolha apressada ou por demais tardia, é um só: voltar-se a si mesmo.
Aquilo – ou aquele – que não deixa marcas, teria, de fato, existido? E o que pode ser mais repleto de significados – e simbologia – do que a herança que um filho pode representar? Reconhecer de onde se vem seria a chave para, enfim, identificar onde se deve ir? Essas são apenas algumas das questões que The Shadowless Tower propõe sem acúmulo ou afobação, mas de modo preciso e direto. Se os laços de hoje são frutos daqueles pensados (ou desfeitos) tanto tempo atrás, é de se imaginar também o quão necessários os de agora são para a construção de um amanhã que possa comportar estes anseios e preocupações. Se a torre não deixa sombra, seria ela mais ou menos eficiente? E uma vida, qual sua relevância se, uma vez finita, o que relega aos que se aventurarem a olhar para as marcas deixadas pelo tempo é mais a soma de ações do que intenções? “O problema é que não gostam mais da minha comida”, afirma o cozinheiro. Porém, essa segue sendo a mesma, com iguais ingredientes e modo de preparo. O que mudou, então? O prato ou quem nunca dele experimentou? Essa resposta, tão óbvia quanto improvável, é o segredo que muitos não vem, por mais que esteja diante de todos.
Filme visto durante o 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023
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