Crítica
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Sinopse
Paris, França, 1894. Todos os anos, durante o Carnaval, um grande e popular baile é realizado no hospício feminino La Pitié Salpétrière. Lá, 150 mulheres são selecionadas entre as 4500 pacientes para participarem do “Baile das Loucas”, onde são aguardadas com grande apreensão pelos convidados. Fanni, de 35 anos, que ao contrário das outras mulheres que são internadas injustamente a força, se internou voluntariamente. Seu único objetivo é encontrar sua mãe para fugirem juntas.
Crítica
A trama de Baile das Loucas se passa em 1894, ou seja, quase na virada do século 19 para o 20, num período repleto de anseios de modernidade e avanços sociais. No entanto, a realidade que o longa-metragem dirigido por Arnaud des Pallières descreve ainda é bastante obscurantista, principalmente no que diz respeito à continuidade de mecanismos de controle do corpo feminino. Logo na primeira cena temos a protagonista Fanni (Mélanie Thierry) sendo fracionada pela câmera atenta aos detalhes da sua chegada a uma instituição psiquiátrica. Os planos fechados transitam das mãos aprisionadas pelas algemas, enfatizando a locomoção restrita pelos instrumentos de contenção, até chegar ao olhar expressivo e sofrido da mulher internada voluntariamente com uma missão em mente. Desde o princípio, chama a atenção essa câmera atenta aos detalhes, sempre disposta a estar próxima das personagens, nem que com isso haja perdas do ponto de vista contextual. O realizador fragmenta essas mulheres de propósito, justamente para nos dar a sensação de que elas são privadas de um senso de completude, uma vez que lógica manicomial é muitas vezes utilizada como instrumento de dominação num mundo em que o masculino é imperativo. Mas, embora faça um retrato interessante sobre a situação coletiva, o filme é muito mais sobre a jornada quase solitária de uma mulher em busca da mãe.
Muitas vezes, produções cinematográficas ambientadas em manicômios alternam a abordagem pessoal e a coletiva, desenhando panoramas mais ou menos profundos das engrenagens que moem a subjetividade dos pacientes psiquiátricos ou das pessoas consideradas perigosas pelos mandachuvas da sociedade. Por exemplo, no brasileiro Bicho de Sete Cabeças (2000) o infortúnio de um rapaz internado à força por conta de seu consumo recreativo de maconha embasa uma visão contundente da brutalidade e da desumanidade do sistema manicomial de então. Assim, o protagonista se torna um sofredor em torno do qual identificamos um aparelho com vocação a provocar dor nos marginalizados. Em Baile das Loucas é mais ou menos isso o que acontece, embora Arnaud des Pallières não demonstre fôlego suficiente para alternar entre diagnósticos específicos e sistêmicos, ainda que dê atenção às demais mulheres confinadas entre paredes carcomidas e aposentos mal cuidados. O interesse do filme repousa na experiência de Fanni, na maneira dolorosa como ela vai descortinando uma realidade até então desconhecida enquanto vasculha arquivos em busca dos rastros de um ente querido. Arnaud toca rapidamente nos casos das coadjuvantes, com isso construindo um painel funcional, mas não expressivo o suficiente para ampliar o seu diagnóstico de uma situação motivada pela clara perversidade do machismo.
Baile das Loucas é uma produção com um esmero visual louvável, vide os figurinos detalhados à cargo de Nina Avramovic e a direção de arte assinada por Laurent Baude – que garantem a credibilidade da reconstituição de época. Mélanie Thierry está muito bem como a mulher que, dotada de sanidade e discernimento, testemunha o funcionamento de uma máquina de trucidar indivíduos em prol da mansidão que atende aos anseios dominantes, neste caso os masculinos. Ainda falando do elenco, Marina Foïs é uma presença marcante interpretando a principal das enfermeiras, a típica perversa forjada por um passado doloroso, que não se faz de rogada ao ocupar o lugar de opressora das menos favorecidas. No entanto, o grande destaque entre as atrizes desse grupo é Dominique Frot, artista que tem poucas incursões no filme, mas todas excepcionais pela concepção sólida de uma personagem degradada física e mentalmente pela permanência estendida no confinamento. Sempre que Dominique está em cena o enredo ganha uma intensidade dramática que nem sempre consegue atingir sem ela, especialmente, por conta da placidez com a qual as coisas são vistas em alguns momentos-chave. Dividido entre falar de encarceramento manicomial e dar ênfase a uma mulher que corre o risco de ter sua sanidade mental deteriorada por um cenário adoentado, o realizador acaba se aninhando no meio termo.
De qualquer modo, feitas as ressalvas quanto à falta de uma abordagem mais incisiva, Baile das Loucas é um bom drama de fundo histórico com mensagens pertinentes. Sim, pois é preciso olhar à História, colhendo dela também os eventos mais nefastos, para evitarmos a continuidade ou a repetição das barbáries. Com alusões a personalidades reais e fatos, o filme conta com pouquíssimos homens em cena – na verdade, eles aparecem apenas próximo ao clímax. No entanto, é de suma importância perceber que os fantasmas do masculino nesse mundo estão constantemente presentes no sofrimento imposto às personagens femininas, vide os diversos causos compartilhados ao longo do enredo sobre atitudes violentas de homens. A interna puérpera que sofre pela separação precoce de seu recém-nascido; a ex-prostituta que relembra com amargura do que foi submetida a fazer para sobreviver; e o abandono que ajuda a iluminar as áreas cinzentas do passado de uma candidata à vilã. São alguns dos exemplos do machismo que paira sobre as mulheres dessa produção como uma sombra. Pena que Arnaud des Pallières não articule com mais senso de gravidade a missão individual de Fanni e o painel formado por histórias dramáticas envolvendo encarceramento e controle social. Enfim, o principal problema do filme é provocar uma homogeneização do entorno em prol da singularidade da protagonista.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Francisco Carbone | 6 |
Alysson Oliveira | 4 |
MÉDIA | 5.3 |
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