Crítica


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Sinopse

Phaim Bhuiyan é um jovem de 22 anos, de pais nascidos em Bangladesh, que vive nos subúrbios de Roma. Para seus pais, que são muito tradicionais, ele precisa casar com uma mulher de origem Bengali e se relacionar sexualmente apenas depois do matrimônio. Mas o que fazer quando Phaim se apaixona por uma moça italiana?

Crítica

A tradição pode ser um fardo muito pesado e castrador. São recorrentes nos cinemas as histórias de pessoas divididas entre os costumes de sua gente/família/etnia e o ideal de felicidade impedido por esse conjunto de regras aos quais não se foge sem efeitos colaterais complicados. Em Bangla a observação da cultura muçulmana como empecilho ao amor entre o italiano de ascendência bengali e a típica menina de linhagem europeia é diluída num percurso reconhecível e bastante leve. Phaim (Phaim Bhuiyan, também roteirista/diretor) trabalha como vigia num museu, mas é apresentado como alguém atormentado pela impossibilidade de praticar sexo antes do casamento, um dos pressupostos de sua religião. No entanto, esse traço que adiante ganha contornos de dilema com a entrada em cena de Asia (Carlotta Antonelli) é pouco utilizado do ponto de vista cômico e tampouco suficiente para sustentar uma circunstância consistentemente dramática. O longa-metragem passa aceleradamente por diversas questões, apresentando divergências e pontos de vista geralmente conflitantes, mas acaba sendo mais uma história do tipo “garoto conhece garota”.

Phaim é visto frequentemente falando sobre a pressão exercida pelos pais para encontrar um emprego decente, casar e ter filhos, assim reproduzindo o que à lógica muçulmana parece um caminho sem possibilidades de desvio a alguém “sério”. No entanto, em nenhum momento de Bangla as interações com os pais do protagonista chegam a ser fundamentalmente opressoras, exatamente porque, como diretor, o artista dissolve os desacordos num trajeto repleto de soluções quando muito simples. A promessa da fase de apresentação do filme é, além de um protagonista angustiado pelo celibato, a do rapaz dono de uma compreensão profunda da região ao sul de Roma, conhecida pelo multiculturalismo. Se dirigindo à plateia, ele lê o bairro como um lugar formado por estrangeiros, hipsters e velhos, chegando a isentar estes de atitudes preconceituosas. A informação de como funciona a vizinhança também vai se desmanchando à medida que a trama evolui no sentido de se tornar um impasse básico entre o passado rústico e o futuro promissor. E fica claro que estes são caracterizados, respectivamente, pela herança da Bangladesh arcaica e a Itália pluricultural.

Phaim Bhuiyan observa sua família como um centro de mera reprodução dos costumes do povo bengali, sem tantas aberturas ao diálogo, ainda que tampouco invista no desenho da personalidade dos pais. Já na companhia dos parentes de Asia, o sujeito tem contato com uma comunidade pretensamente mais aberta ao que destoa do cenário humano/religioso/comportamental tido como dominante na Europa. O protagonista se surpreende com o fato do pai da pretendente não fazer cara feia ao ver um “negro do Oriente” (palavras dele) entrando em sua casa e, à frente, se pega num almoço com a potencial sogra e a namorada dela. É um apontamento da “tolerância” que seria característica dos italianos (menos dos mais velhos, perdoados no início por estarem acostumados demais com certas coisas para mudar de comportamento). Portanto, é curioso como Bangla desenha a comunidade muçulmana enquanto um núcleo de insatisfação dos mais jovens com a adesão irrestrita dos pais à tradição, enquanto os genitores italianos (representados pelos sogros de Phaim) são supostamente menos "atrasados". Essa leitura do tipo "a grama do vizinho é bem mais verde" se torna quase inocente, sobretudo pela falta da autoconsciência sobre a distorção de uma realidade social não tão fácil assim.

Outro problema de Bangla é Asia. Desempenhada com graça por Carlotta Antonelli, no entanto, ela não tem espaço para expressar sua subjetividade. No mais das vezes, está sempre disponível às oscilações de Phaim quanto às regras-balizas do envolvimento orientado pelas restrições a ele (por ele) impostas. A garota é o protótipo da disponibilidade praticamente irrestrita, algo que poderia ser revogado, ainda tendo em vista que o trajeto acompanhado é prioritariamente o dele. Asia gosta de Phaim por sua singeleza? Por ele representar algo exótico à mentalidade eurocêntrica? Ela puramente se apaixonou por alguém quase inexpressivo? Difícil fazer esse diagnóstico, pois a personagem não possuiu arestas e meandros, sendo essencialmente reativa ao protagonista e compreendendo-o sempre que ele faz bobagem. Pena que Phaim Bhuiyan não se apegue às especificidades do entorno, conforme prometido inicialmente, e que também não invista no reconhecimento de elementos próprios à experiência estrangeira fincando raízes e tornando a paisagem diversa. Ele prefere enveredar pelo previsível. Assim, investe em cenas como a da irmã também angustiada pelo “destino”, uma situação que dá em nada, pois logo em seguida não vemos qualquer tristeza no semblante da noiva alegre.

Filme assistido online durante a 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em junho de 2021.

 

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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