Crítica
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Sinopse
A fase do álcool, da mais intensa boêmia copacabanense, termina no golpe de 1964. Era o auge do samba-canção de Antonia Maria e Dolores Duran em reação talvez ao cinema americano, no qual depois do primeiro beijo aparecia The End na tela e todos eram felizes para sempre. Uma boêmia apaixonada e desvairada como nunca houve outra.
Crítica
Bastaria um filme de Domingos Oliveira para explicar a alguém o que significa o termo "cinema de autor". Para além das determinações, conceito e ideias, ferramental constituído mais para deleite acadêmico que para explicar, trata-se essencialmente da personalidade do filme. Assim, BR 716 surge para encerrar a última noite do Festival de Cinema de Gramado e, ao mesmo tempo, dar continuidade às loas da preservação da memória iniciada com Aquarius (2016), filme de Kleber Mendonça Filho com Sonia Braga, responsável por abrir, fora de competição, a edição deste ano do evento.
Estamos no Rio de Janeiro dos anos 60. No emaranhado da última grande revolução cultural, Felipe (Caio Blat) é um jovem de classe média alta que recebe do pai um apartamento como presente de casamento. Localizado em ponto nobre da cidade, o espaço de muitos metros quadrados desempenha um protagonismo mítico-afetivo similar ao criado por Bernardo Bertolucci para Os Sonhadores (2005), durante o Maio de 68. Estilizados pela lente grande-angular que distorce as bordas da imagem a fim de maximizar o ambiente, o recinto torna-se ponto cativo para o encontro de amigos e conhecidos durante noites intermináveis, regadas a música e álcool, na mais elegante postura boêmia. Retrato que muitas gerações tentarão copiar posteriormente sem êxito. Mesmo insucesso, aliás, ao qual está fadado um casamento nos anos 60 ou a entrega de um apartamento suntuoso a um jovem aspirante a escritor. Quando o casamento chega ao fim, Felipe entra em depressão. Sem dinheiro para as contas, o que lhe resta é a fidelidade de alguns amigos.
BR 716 se inscreve na fase memorialística pela qual passa a carreira de Oliveira, que completa 80 anos em 2016. Desde 2008, com Juventude, passando por Primeiro Dia de um Ano Qualquer (2012) e Infância (2014), o diretor concebe filmes estritamente pessoais, alternando acertos maiores e menores. Na contramão de boa parte do cinema, constantemente em busca de histórias excêntricas a fim de causar surpresa ou reinvenções de experimentalismo narrativo, Domingos opera apenas com o princípio de contar aquilo que é comum a todos. O horizontalismo de sua narrativa é a prova de que a simplicidade nunca sai de moda, em especial quando atravessada por sinceridade e paixão, fórmula que supera as irregularidades da produção e agrega ao cinema nacional mais uma grande cena - a de Gilda (Sophie Charlotte), aspirante à cantora e novo amor de Felipe, cantando em belo enquadramento preto e branco.
Interpretada com extremo vigor cômico e melancólico por Caio Blat, a crise afetiva e econômica sofrida pelo protagonista coloca em xeque o apartamento. Sacrificar o imóvel significaria atentar contra o esforço e a memória paternas. Diante da possibilidade de uma atitude drástica, a resposta de Oliveira não vem, contudo, acompanhada de solução milagrosa. Felipe não se tornará inesperadamente um escritor famoso, um best-seller. O final que se impõe pode soar ingênuo ou idealista para os olhares da geração atual. Nada mais reconfortante, porém, do que ser démodé diante de uma sociedade confusa com seus reais valores.
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