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Sinopse

Bárbara é uma velha travesti que roubou uma valiosa bolsa do cabaré onde trabalha e fugiu para Llano. Lá encontra Sixto, um jovem camponês que foge dos cartéis de drogas. Ambos são forçados a escaparem juntos. O relacionamento deles muda do conflito inicial para uma amizade particular. No final, Barbara aprende a ser sincera e Sixto se convence de que seus sonhos podem se tornar realidade.

Crítica

Dentro da fórmula dos road movies é comum nos depararmos com protagonistas antagônicos que terminam, a contragosto, unidos pelo acaso como companheiros de jornada. Em Bárbara, segundo longa ficcional do venezuelano John Petrizzelli, a trama, situada em 1989, parte justamente desse modelo de premissa, fazendo com que os caminhos da personagem-título, uma travesti de meia-idade (vivida por Alberto Alifa), e do jovem camponês Sixto (Ray García) se cruzem pela necessidade da fuga. Enquanto Bárbara parte rumo à fronteira após assaltar o cabaré onde trabalhava, num ato de vingança contra o do dono do local, Polaco (Walter Gamberini), que a substituíra tanto como amante quanto como estrela da casa, Sixto foge de seu “Padrinho”, líder do cartel que comanda o povoado onde vive e que acaba de assassinar toda a sua família.

Mesmo pertencendo a mundos distintos, os dois possuem algo em comum: representam os excluídos, marginalizados, cada um à sua maneira, pela sociedade. Dos atritos e da compreensão das semelhanças ocultas, inicia-se uma jornada de descobertas, resoluções e busca pela identidade. Pois, apesar de se enxergar como mulher desde sempre, convicta de sua essência, Bárbara não deixa de ser atormentada pelo preconceito e pela não aceitação dos outros. Por sua vez, Sixto, ainda adolescente, passa pelo processo natural de formação de identidade, encontrando um modelo sob a máscara do herói de sua coleção de figurinhas: Santos, astro da lucha libre mexicana. Pelo olhar da dupla, Petrizzelli realiza um mergulho etnográfico no interior da Venezuela, tendo como locação a paisagem ao mesmo tempo desoladora e bela da região de Llanos, com suas savanas quase desérticas.

O ruído provocado pela presença de Bárbara nesse meio, com a bolsa cor-de-rosa destoando da aridez que a cerca, traz à memória o longa Priscilla, a Rainha do Deserto (1994). Os pontos de convergência entre as obras, contudo, não vão muito além desse detalhe, já que Petrizzelli envereda por uma esfera menos cômica do que a do sucesso australiano, preferindo se ater à carga dramática presente no choque da protagonista com o ambiente hostil do interior conservador. Isso não significa, porém, que o tom impresso seja opressor, pois há uma forte veia aventuresca inserida no drama – do MacGuffin que move a trama (a maleta roubada por Bárbara cujo valioso conteúdo nunca é revelado), passando pelas atribulações que surgem em seu caminho, até o sonho da fuga para “o norte”, clara alusão ao território norte-americano.

Em seu retrato da Venezuela profunda, Petrizzelli passa de modo superficial por aspectos diversos, como a dizimação da cultura indígena, a religiosidade e a intervenção estrangeira – essas últimas mescladas no personagem do missionário estadunidense. Um dos poucos temas que ganha real destaque é o das crenças populares, materializadas na figura mítica de Dona Bárbara, apresentada através de um antigo filme projetado no cinema de um vilarejo e com quem a protagonista partilha não apenas o nome, mas também um parentesco simbólico como representação feminina: mulheres que se voltam contra os homens que lhes causaram mal. Essa valorização do símbolo feminino, por sinal, se faz presente desde as fotografias das estrelas pop que dividem espaço com a imagem da santa na penteadeira de Bárbara, no plano de abertura, seguindo com a gradual aproximação entre ela e a persona de Dona Bárbara – as botas, o lenço vermelho no pescoço.

Todavia, a força das ideias apresentadas é, em diversos momentos, diluída pela execução de Petrizzelli, que esbarra numa encenação por vezes primária. Sequências como a do assalto ou o massacre da família de Sixto, por exemplo, têm impacto quase nulo devido ao registro pouco desenvolto. No aspecto da dramaturgia, a obra sofre com um elenco de apoio irregular, caso da atriz que interpreta o interesse romântico de Sixto. Parte de tal deficiência é compensada por Alberto Alifa como Bárbara, oferecendo uma composição sem exageros, bastante humana e carismática. Já Ray García se mostra um elo menos consistente na dinâmica central, apenas correto na pele do garoto bruto, confuso e inocente. Há ainda escolhas narrativas contestáveis, como abandonar por completo a ameaça dos assassinos da família Sixto, ou dedicar tempo em demasia ao núcleo formado por Polaco, seu ajudante e um mercenário contratado para localizar Bárbara, desviando o foco da relação de amizade que se desenvolve entre a travesti e o camponês.


É quando decide abraçar o universo lúdico da fantasia, como a própria protagonista sugere a Sixto, que Petrizzelli consegue ser mais bem-sucedido, fazendo com que Bárbara cresça. Não apenas no campo alegórico, quando os personagens assumem suas identidades imaginárias, como também do ponto de vista estético, com a composição de enquadramentos mais elaborados, extraindo o melhor das belas paisagens naturais que servem de cenário. O desfecho poético, talvez algo ingênuo, mas dotado de inegável honestidade, desvia o longa do final feliz trivial, trazendo ainda certa urgência e deixando uma última impressão positiva. Esse sentimento, contudo, não é suficiente para se impor totalmente sobre as fragilidades encontradas no trajeto percorrido até então.

 

 

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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