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Crítica


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Sinopse

Uma guerra entre traficantes na Vila Mariquinhas, na Zona Norte de Belo Horizonte, faz com que Andreia queira sair da comunidade onde mora e que ajudou a construir.

Crítica

Raras vezes o cinema, especialmente o recente, registrou as tensas vivências periféricas, sensível e corajosamente, como visto em Baronesa. Diferentemente de outras narrativas passadas em favelas, nas quais sobressaem olhares essencialmente masculinos, em tramas que versam basicamente a respeito da atuação do homem no contexto da marginalização, aqui, em oposição, é ressaltado o âmbito feminino. Leid Ferreira é mãe de cinco filhos. Dolorosa a conversa aparentemente prosaica dela com a primogênita que diz querer cortar o cabelo para vendê-lo e, então, tirar o pai da cadeia. A empolgação dos irmãos com a menção à suposta soltura do encarcerado é genuína e, por isso, bastante forte. A cineasta Juliana Antunes não busca algo estereotipado, tampouco no que tange à maneira de encarar uma realidade aterradora, assimilada por falta de opção, sobre a qual as pessoas discorrem com naturalidade impactante. Mas quem reivindica, digamos, o protagonismo é Andreia Pereira de Souza, amiga de Leid.

Manicure, essa mulher de modos bruscos, mas que exibe ternura em semelhante medida, possui uma fala contundente, transformada em nossa guia por um mundo de regras bem particulares. Não há indícios de paternalismo ou condescendência. A câmera se transforma num instrumento nato de empatia, pois permite uma aproximação afetuosa dos dramas dessas batalhadoras que resistem ao entorno abrutalhado. Felipe Rangel, conhecido como Negão, oferece pitadas de humor neste filme tão duro, mas não de maneira convencional. Entrecortando suas tiradas engraçadas e investidas amorosas, surgem menções à fatídica guerra das comunidades rivais. Ele se apaixona por Leid. Já Andreia é a conselheira que escuta com admiração e estima. Baronesa nos joga dentro de um espaço em que a violência é intrínseca ao dia a dia dos moradores, não fazendo dela ingrediente espetacular, nem procurando explicitar banalmente causas e efeitos, pois ambos surgem francamente nos colóquios.

Ainda no que concerne aos respiros responsáveis por oxigenar Baronesa, assim proporcionando a leveza que potencializa, por contrapor-la, a severidade dos temas encarados, temos a cena das jovens falando sobre masturbação. Mais até que abrandar momentaneamente o clima, ela sintetiza o ímpeto abertamente feminista do longa-metragem, porque evidencia a legitimidade da manifestação do desejo fora da esfera masculina, afrontando os tabus de uma sociedade essencialmente falocêntrica. A habilidade do trabalho diretivo de aproximação e registro é tamanha que não conseguimos identificar se algo foi encenado, pois, afinal, tudo serve à verdade. Em dado momento, em meio a brincadeiras, Andreia mira um revolver no peito de Negão. O fato de ele usar um colete à prova de balas não diminui a inquietude permanente, pelo contrário, pois denota que tal dinâmica atende a uma naturalidade do flerte com a morte. A trivialidade do risco decorre do convívio e/ou do envolvimento deles com a crueldade.

Baronesa confronta diversas questões, respeitando as pessoas e evitando ao máximo encaixá-los em formatos pré-estabelecidos. Juliana Antunes se vale dos elementos que formam o cotidiano de Leid e Andreia para fazer um retrato poderoso dessas marginalizadas que não se furtam, inclusive, de confessar atos hediondos, certamente perturbadores de suas consciências, mesmo sabendo-se esquadrinhadas pelo dispositivo cinematográfico e, consequentemente, por gente estranha àquela rotina marcada a ferro e fogo. Essa sensação de invisibilidade da equipe permite uma espontaneidade sem a qual o filme mineiro não alcançaria a excelência vista. A marcha enlutada das amigas pendurando laços negros nos postes é suficiente para entendermos uma fatalidade, sem a necessidade de procedimentos meramente expositivos. Impressionante como relevos e porquês surgem tanto nas entrelinhas quanto na verborragia singular de Leid e Andreia, atributos das observações lancinantes deste grande filme.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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