Crítica
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Sinopse
Kellen se afastou de sua família suburbana depois de atingir fama nacional como cantora. Prestes a ser cancelada na internet por conta de um vídeo comprometedor, ela resolve voltar às origens para ver se consegue limpar a sua barra.
Crítica
Historicamente, o cinema brasileiro sempre se socorreu nas fórmulas e estratégias de outros meios de sucesso para atingir o público. Foi assim com as chanchadas, que buscaram inspiração no rádio, no Teatro de Revista e posteriormente no Carnaval, e com fenômenos midiáticos do tipo Os Trapalhões, cujo êxito nas bilheterias foi impulsionado pela celebridade na TV. Portanto, Barraco de Família não faz nada de novo ao assumir um DNA televisivo na tentativa de ser bem-sucedido no diálogo com a plateia. Esse empréstimo pode ser visto na construção dos personagens (sobre arquétipos facilmente identificáveis), na costura entre comédia e lições de moral, na cenografia higienizadora da periferia (longe de representar com fidelidade a realidade) e na vocação do roteiro para enfatizar diversos aprendizados edificantes. Ambientada numa quebrada paulistana, a trama mostra as desventuras de uma família negra às voltas com o sucesso da caçula que bombou nas redes sociais e se tornou a cantora do momento. Kellen (Lellê) estoura no mundo da música e convida seus familiares para um petit comitê em sua mansão, em tudo destoante da casa humilde de sua origem. O choque cultural é sublinhado com ares de caricatura nesse início, vide os suburbanos passando vergonha e criando confusão ao visitarem a filha desgarrada. Ainda que tudo soa esquemático, a cena funciona como estopim.
O destaque de Barraco de Família é a matriarca Cleide, interpretada Cacau Protásio com uma abordagem semelhante a de boa parte de suas personagens recentes: mulher espalhafatosa, dada a gritos e manifestações eloquentes, mas determinada pelo bom coração. Ela lidera uma casa que conta, ainda, com o marido malsucedido na venda de terrenos (Eduardo Silva), a cunhada folgada (Lena Roque), o primogênito que sonha com a fama (Robson Nunes) e a mãe interpretada por Sandra Sá. A configuração desse núcleo familiar repleto de modelos associados à vida suburbana, a elaboração dos problemas e suas eventuais soluções, bem como o tempo da comédia remetem imediatamente ao seriado A Grande Família (2001-2014). Mas, como a bem-vinda diferença de termos em cena personagens majoritariamente negros. Ponto à representatividade, embora o roteiro assinado por Emilio Boechat e Lena Roque não enfatize temáticas de cunho estritamente racial. Quando muito, recorre brevemente a aspectos da cultura impressa na música e no senso de comunidade, vital à resolução do conflito estabelecido pela empáfia de Kellen. O principal tema do filme é, justamente, a necessidade de valorizar as raízes e não se deixar deslumbrar por uma vida que nada tem de autêntica. Não há abertura para discussões de porquês e senões. A rotina em família é melhor, se desvirtuar disso é errado.
Típica comédia de costumes, Barraco de Família tem personagens rasos e utiliza à caricatura para personificar a sedução pelo mundo exterior que desencaminha a protagonista. O jornalista Bruno Rocha da Fonseca, comumente conhecido como Hugo Gloss, quebra um galho como o empresário inescrupuloso mais interessado nas cifras que a protegida gera do que necessariamente em garantir a sua sanidade mental, financeira e emocional. Ele é o veneno, sendo o colo da mãe o único antídoto eficiente para erradicar o deslumbramento da menina que num dia brilha e no outro é cancelada por renegar as raízes. O cineasta Mauricio Eça desloca ligeiramente o protagonismo à Cacau Protásio, destaque de um elenco que se sai bem com o material raso que lhe é oferecido. Ainda que a atriz repita os trejeitos histriônicos de boa parte de suas personagens anteriores no cinema, ela confere a Cleide uma fragilidade diretamente atrelada à distância da filha caçula. As pequenas chantagens emocionais e birras que a matriarca utiliza para lidar internamente com o desprezo de Kellen pela rotina pregressa na populosa Zona Leste paulistana podem gerar identificação imediata em parte dos espectadores, exatamente porque fazem parte do senso comum sobre mães melodramáticas, superprotetoras e carentes. Um dos méritos do filme é contar a história sem esconder a inspiração televisiva e o viés ligeiro.
Ligeiro, pois as enormes crises ocasionadas por decepções e pisadas na bola são resolvidas como num passe de mágica. Seguindo os preceitos das comédias de costumes, os personagens estão interessados com coisas como ascensão social, realização de sonhos, reconstrução de velhos laços ameaçados pelas novidades, manutenção dos vínculos familiares e assuntos do tipo. Nesse cenário pouco dado a complexidades e nuances, a disputa pelo amor de Diley (Yuri Marçal) é resolvida como se as amigas discutissem quem deve levar um doce para casa, sem que isso ao menos ressalte a prioridade da amizade de anos sobre qualquer rivalidade feminina. O filme é simpático, não promete mais do que pode cumprir, mas sequer alcança voos maiores em suas intenções modestas como comédia, justamente, por não salientar elementos importantes. No fim das contas, a vivência em comunidade (tão vital como contra-argumento ao deslumbre elitista de Kellen) se restringe ao microcosmo familiar. A cena do pagode poderia ampliar o pano de fundo, mas serve tão e somente para reiterar o que havia sido dito anteriormente. Entre mortos e feridos, pontos positivos para o ótimo desempenho coletivo do elenco, sobretudo o dos veteranos Cacau Protásio e Eduardo Silva, cujas habilidades inspiram os jovens. Por fim, Sandra Sá é subaproveitada nesse filme simpático e cinematograficamente pouco ambicioso.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Alysson Oliveira | 2 |
MÉDIA | 3.5 |
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