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Crítica
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Sinopse
Batalhão 6888 se passa durante a Segunda Guerra mundial, quando um grupo de mulheres negras do exército estadunidense, sob comando da Major Charity Adams, precisa assumir uma missão quase impossível. Com Kerry Washington.
Crítica
Tyler Perry é um artista norte-americano de cinema mais conhecido na comédia. Especialmente famoso e financeiramente bem-sucedido por conta da saga Madea (na qual interpreta uma idosa mal-humorada), desta vez ele escreveu e dirigiu um filme baseado em algo real. Batalhão 6888 é sobre o valente grupo de mulheres negras na Segunda Guerra Mundial incumbidas da quase impossível logística da correspondência aos soldados no front. Na verdade, o filme indicado ao Oscar 2025 de Melhor Canção Original (The Journey) utiliza esse importante grupamento (que merecia muito mais lembrança por seu heroísmo e resistência) como pano de fundo para contar a história de duas mulheres. A primeira delas é Lena (Ebony Obsidian), alistada depois de receber a notícia de que o seu pretendente judeu não resistiu aos ferimentos e morreu em batalha. A segunda é Adams (Kerry Washington), a líder linha-dura encarregada de disciplinar as mulheres alistadas e enfrentar preconceitos disseminados até nas mais altas esferas do exército norte-americano. Tyler Perry tem então essas personagens principais sendo intercaladas. No entanto, associa apenas superficialmente os desejos de ambas, articulando as histórias individuais delas de maneira burocrática e sem uma noção de unidade. O filme todo é um emaranhado de apelos sentimentalistas reforçados por canções melosas e discursos inspiracionais tornando tudo oco.
Batalhão 6888 não é sobre o grupamento do qual pega emprestado o nome. Isso porque Tyler Perry não atribui protagonismo ao grupo de mulheres submetidas à continuidade da segregação racial – mesmo que elas estejam colocando suas vidas em risco para defender os ideais da nação que as desampara. Senão vejamos. Lena desembarca na companhia das colegas na Europa com o intuito de colocar a correspondência militar em dia – missão importante, pois se ela não fosse bem-sucedida milhares de soldados e milhões de familiares ficariam sem comunicação enquanto durasse o conflito global (o que o tornaria mais insuportável). Perry não olha o exército como um organismo, sequer registrando as complexidades do discurso militar norte-americano. Fiel à linha melodramática da menina envolvida na guerra depois de descobrir a morte do amado, ele não tem a capacidade de enxergar (e comentar) o que está ao seu redor. Mas, assim que Lena chega à Europa, o roteiro de Perry praticamente se esquece de que está lidando com uma mulher em sofrimento, pois desloca todas as atenções à oficial Adams. Desse ponto em diante, o que vemos é a reiteração da luta de uma líder para ser reconhecida pelos oficiais e soldados brancos, alguns dos quais se recusam até mesmo a prestar continência à mulher negra de alta patente. Perry denuncia o racismo superficialmente, sem impacto dramático. Assim o alerta é esvaziado.
Nas cerca de duas horas de cenas filmadas displicentemente, personagens e situações são simplificados ao máximo. Adams é perseguida pelo general branco transformado no vilão. Kerry Washington bem que tenta compor uma mulher altiva, alguém cuja resiliência é a chave para suportar o sexismo e o racismo predominantes nos bastidores da guerra. Portanto, a mensagem antirracista é absolutamente pertinente, não podendo se dizer o mesmo de sua elaboração. Tyler Perry separa em potes muito específicos as demonstrações de racismo, os instantes de fraqueza individual e a sororidade, como se não fosse capaz de criar um retrato complexo em que tudo isso fosse integrado e retroalimentado para formar um panorama consistente. Assim, quando Lena está chorando a morte do amado e sendo respeitosamente cortejada por um colega, não há resquícios do racismo; já quando o assunto é a luta individual de Adams para sobressair na carreira, há pouco no horizonte sobre o luto da outra protagonista. É como se as situações se sucedessem sem deixar pegadas consideráveis no tecido narrativo, como se uma coisa não devesse estar necessariamente associada à outra. E em meio a tudo isso, a personalidade das coadjuvantes se torna cada vez mais frágil e desinteressante. Uma delas, Johnnie Mae (Shanice Shantay), exagera tantos nos trejeitos, nas caras e bocas, que se aproxima de ser uma caricatura.
Tyler Perry não consegue tratar Lena e Adams paralelamente, precisando pausar a história individual de uma para somente então explorar as demandas pessoais da outra. Nessa denúncia do racismo que tem apenas uma nota, Perry faz coisas certamente difíceis parecerem fáceis. Como, por exemplo, a organização da logística postal. As mulheres chegam à escola abandonada que lhes foi concedida como ambiente insalubre de trabalho e, num passe de mágica, a espelunca se transforma num palácio agradável – num clipe animado e divertido. Já o método de trabalho é simplificado por meia dúzia de explicações protocolares. Desse modo, Tyler Perry não trabalha na concepção do quão árdua foi a tarefa do Batalhão 6888, não realiza como essas mulheres fizeram o impossível e, o mais impressionante, na metade do tempo previsto. A direção de arte, os figurinos, as maquiagens e penteados, enfim, a cenografia toda é artificial, mais parecendo adequada a uma publicidade ambientada naquele tempo e espaço. Os uniformes não são desgastados, as personagens estão sempre impecavelmente vestidas, maquiadas, penteadas e adereçadas. E isso contribui à sensação de algo involuntariamente artificial. Mas, o grande problema de Batalhão 6888 é a abordagem de Perry, incapaz de desdobrar os temas e compreender que, além do racismo a ser denunciado, essas bravas mulheres sofreram sexismo.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 4 |
Cecilia Barroso | 1 |
MÉDIA | 2.5 |
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