Crítica


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4 votos 8.6

Onde Assistir

Sinopse

Sandro é um publicitário metido a conquistador que sofre um ataque cardíaco e precisa de um transplante para sobreviver. Seu novo coração vem da travesti Isadora, dona de um salão de beleza. Após o sucesso da operação, Isadora, agora como espírito, passa a seguir os passos do sujeito que, então, começa a sentir mudanças de comportamento e a enxergar o mundo com outros olhos.

Crítica

É uma verdadeira lástima que num filme disposto a tocar no sempre relevante tema da doação de órgãos, com pessoas sexualmente diversas em cena, o humor passe inexoravelmente pela grosseria das distorções e/ou das facilidades. Bate Coração é uma comédia dramática cujo protagonismo é dividido entre a travesti Isadora (Aramis Trindade), figura que ilumina todos ao redor, e o machista Sandro (André Bankoff), construído de maneira tão estereotipada que fica difícil acreditar quando ele cai em si com relação ao seu comportamento, no qual está embutida a homofobia. Desde as primeiras cenas estreladas por esse suposto garanhão conquistador sobressai um registro exagerado, permeado integralmente por uma obsessão pela menção dos predicados físicos das mulheres. Ele apenas encontra equivalência em Igor (Paulo Vellings), coadjuvante que serve de parceiro e escada, uma figura que passa bem perto de ser insuportável pela forma como se reafirma “macho”.

Bate Coração, ao largo desses personagens principais, interligados pela morte de uma e a necessidade do outro de obter um novo coração, dispõe uma série de tipos com questões a serem resolvidas. Concomitante à apresentação do filho do falecido e, a partir dele tentando desenvolver um imbróglio familiar de execução superficial e tipificada, há também a ex-mulher penando para saber como manter o salão de belezas e a médica responsável pelo transplante diante dos efeitos da solidão. O cineasta Glauber Filho tenta fazer com que essas dinâmicas se entrelacem, mas consegue somente enfatizar a sua dificuldade para abordar determinadas conjunturas. A carência do jovem diante da realidade, ou seja, de que o pai precisou afastar-se por conta de motivos que transcendem a mera vontade, passa pela adequação forçosa a uma circunstância aparentemente lotada de arestas a serem aparadas cuidadosamente. Mas, longe disso, pois tudo vai se resolvendo a fórceps.

Contudo, os dados mais canhestros de Bate Coração são as mudanças pelas quais Sandro passa após sobreviver graças o coração de Isadora. O filme chega a ser ofensivo (com os gays) quando propõe cenas dele exibindo trejeitos efeminados, sentindo desejo por lutadores de MMA ou cantando desbragadamente num trajeto urbano, como se sua sensibilidade recém-adquirida passasse necessariamente por um flerte com a homossexualidade. São ridículos esses instantes em que o publicitário – que profissão mais poderia ter, dentro dessa construção arquetípica, um sujeito de comportamento escroto e materialista, não? –, parece suavizar suas máculas pela influência do órgão que bate no seu peito. Há uma imensa porta aberta para a simplificação de problemas de suma pertinência e, além disso, uma janela escancarada para a desvirtuação das boas intenções, por conta da aproximação claramente folclórica, para dizer o mínimo, do universo LGBTQI+.

Como supracitado, Bate Coração comporta uma série de dilemas e becos aparentemente sem saída. Todos são vencidos como num passe de mágica. Mágoas enraizadas cedem às emoções forjadas no artificialismo; a herança assumida com ares de reverência surge na telona sem matizes que embelezem o movimento; e ressalvas são apagadas do horizonte convenientemente. Há, em meio aos desacertos, um momento bonito, que é Isadora, aos prantos, discursando acerca da necessidade de respeitar as pessoas, independentemente de qualquer coisa. A exceção é bem-vinda, especialmente no sentido de afirmar os efeitos nefastos da intolerância e da discriminação com as diferenças. Uma pena que seja, realmente, algo fora da curva dentro de uma delineação narrativa que geralmente aponta a caminhos de pavimentos, no mínimo, bem questionáveis. Nem mesmo a condição da travesti como espírito é bem aproveitada nesse conjunto repleto de equívocos e desvãos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
3
Diego Benevides
4
MÉDIA
3.5

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