Sinopse
Atuante como um verdadeiro vigilante em Gotham City depois que seus pais foram assassinados, o bilionário Bruce Wayne vai se deparar com um desafio ainda maior quando vários inimigos ameaçarem a integridade da cidade.
Crítica
O cineasta Matt Reeves aceitou a missão de recomeçar a trajetória de Batman nos cinemas depois da continuidade do Homem-Morcego de Ben Affleck se tornar inviável por várias questões. Para isso, escalou Robert Pattinson como o novo Bruce Wayne. Para muitos, uma escolha improvável, mas promissora aos que vem acompanhando a carreira instigante desse astro que poderia ter estagnado no olimpo dos galãs. Felizmente, Pattinson não parece o tipo de artista chegado ao conforto. Está mais para alguém que não deseja apenas colecionar papeis notórios com possibilidades de ganhos financeiros. Por mais que estejamos falando de um blockbuster desta vez, se prontificar a ser Batman foi uma opção corajosa. E o ator está plenamente à altura do desafio, sobretudo por se mostrar bastante adequado à concepção que o cineasta tem do personagem. Em Batman, Bruce é uma figura trágica, fadada a remoer constantemente os traumas e outras questões complexas – como a dúvida, a frustração, a culpa, etc. Simbolicamente, é como se Batman fosse uma sombra o consumindo até domina-lo, logo deixando pouco espaço ao aspecto humano dessa dualidade. E de que modo Reeves demonstra isso? Mostrando o protagonista mais trajado como super-herói do que como bilionário à paisana. Nas poucas vezes em que vemos Bruce Wayne, ele é um prolongamento da ambígua persona dominante.
Não há a famigerada história de origem em Batman – embora ela seja mencionada como parte de um quebra-cabeças. Sendo assim, não vemos pela milésima vez Thomas e Martha sendo assassinados numa viela diante dos olhos do pequeno Bruce. Em vez disso, existem citações desse fato traumático. Aliás, “traumatizado” é o grande adjetivo que podemos utilizar para definir o perfil mental do protagonista. Um homem que tem dificuldade de estabelecer vínculos, de aceitar a aproximação alheia, bloqueado por restrições até mesmo diante dos cuidados do fidelíssimo Alfred (Andy Serkis). Todas as vezes em que ele interage com o mordomo (escudeiro e mentor) sobram pequenas faíscas que sugerem questões mal resolvidas. Não à toa, ele consegue ser mais colaborativo quando está trajado de vigilante, vide a parceria estabelecida com o comissário James Gordon (Jeffrey Wright). Assim, a roupa do Homem-Morcego funciona como uma armadura tanto metafórica quanto física. Essas leituras psicológicas estão diluídas ao longo do roteiro escrito por Matt Reeves em parceria com Peter Craig. O mundo ao redor do bilionário recluso está desmoronando por conta da ação do Charada (Paul Dano, brilhante numa cena específica), dos tentáculos do gângster Carmine Falcone (John Turturro, elegante como o criminoso cerebral) e do Pinguim (Colin Farrell, muito bem, mesmo soterrado pela maquiagem). No entanto, essa Gotham City corrompida e prestes a explodir é um reflexo do interior de Bruce, o sujeito disposto a parar um sádico enigmático que parece ter saído diretamente da saga Jogos Mortais.
Do ponto de vista prático, Matt Reeves faz de Batman uma bem-sucedida mistura de filme de detetive com investigação humana. Quanto às influências, até a pesarosa narração em off aproxima o personagem construído por Pattinson dos mocinhos dos filmes noir – a ambiguidade moral deles também entra na conta. Enquanto tenta resolver as charadas do vilão mascarado que não poupa esforços para mergulhar a cidade em caos, Batman lida com fantasmas que ameaçam conduzi-lo à autodestruição. Curiosamente, esse painel não gera um descontrole total. Mais do que isso: em instantes-chave, a voz da razão sobressai e o protagonista torturado evita mortes e/ou que alguém cruze certas fronteiras, mesmo que o ímpeto seja compreensível. Chamado mais de Vingança do que de Batman, o vigilante é a encarnação do sombrio essencial para purgar o lugar dos pecados. É um anjo vingador que em nenhum momento chega perto demais do abismo de si mesmo (e aí está um pequeno deslize do filme, essa falta de proximidade com o limite). Ainda assim, o Batman de Pattinson é uma figura ameaçadora que intimida inimigos e potenciais aliados apenas com o olhar agressivo. Essa noção do medo como pilar da batalha pessoal é defendida na autoapresentação. Nela, Batman menciona o sinal projetado no céu como fundamental, sobretudo para coibir os malfeitores que estão fora de seu alcance.
No fim das contas, não há uma separação efetiva entre Batman e Bruce Wayne, diferentemente do que tinha acontecido em outras versões do Homem-Morcego nos cinemas. Quando Michael Keaton, Val Kilmer, George Clooney, Christian Bale e Ben Affleck se despiam da roupa de morcego, todos eles acabavam vestidos com outro disfarce: o filantropo excêntrico e boa praça, em muito distante do alterego sombrio. O Batman de Robert Pattinson é bem diferente. Ele é indissociável de Bruce, especialmente porque a sombra que representa é grande demais para haver espaços a uma (auto)representação luminosa servindo de fachada. Batman tem ainda como trunfo o ótimo desempenho do time de coadjuvantes, a começar pela Mulher-Gato de Zoë Kravitz, figura que faz jus à tradição de Selena Kyle como alguém escorregadia, dona de tantas habilidades e capaz de seduzir até mesmo o mais noturno e fechado dos Homens-Morcego. Porém, em termos de importância, Jeffrey Wright é quem mais prevalece no recheado elenco de apoio, principalmente por que Matt Reeves não enxerga Gordon como um mero suporte logístico às atividades de Batman. O comissário é mais um parceiro que não utiliza disfarces ou traquitanas tecnológicas – o que acaba aumentando a importância das pessoas comuns que também zelam por Gotham City. Tanto que numa cena alguém cita que Batman e Gordon parecem uma dupla.
Porém, um dos grandes pulos do gato da abordagem de Matt Reeves é a não fetichização de elementos canônicos do universo Batman. Não há tomadas chamativas da Bat-Caverna, pontuação excessiva da contribuição de Alfred e sequer muita ênfase nos instantes que antecedem a transformação de Bruce no patrulheiro de Gotham. Ciente de que esses componentes estão devidamente cristalizados no imaginário do espectador, o cineasta os utiliza pouco, estrategicamente, não como se fossem abre-alas. Exceção feita na cena em que somos apresentados ao estiloso Bat-Móvel, uma das únicas escancaradamente orientadas pela importância gritante do arsenal canônico. Batman é um filme sombrio que pode ser lido como um batismo. Quando o encontramos, Batman é alguém caminhando rumo à (auto)destruição. À medida que é apresentado ao medo de perder pessoas, retoma sua porção humana, mas sem deixar de aproveitar a imensa força que os anos de penumbra total lhe conferem. Mais relevante do que as ações, tanto as dos mocinhos quanto as dos vilões, é aquilo que elas significam no plano simbólico. O impacto das coisas é real, mas equivalentemente metafórico nesse noir em que a vingança tem corpo e espreita na escuridão para tornar o mundo justo, redimir pecados e aplacar a sua asfixiante sensação de estar em processo de implosão. Por fim, seriam coincidências as semelhanças com Coringa (2019), especialmente os questionamento dos privilégios financeiros/sociais dos Wayne e o tópico da saúde mental – Batman e Coringa têm seus desequilíbrios emocionais/mentais possivelmente ligados a uma perturbadora herança materna? Em se tratando de Hollywood, convém não acreditar demais em coincidências.
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