Crítica
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Sinopse
Menino pobre, Agu sofre as agruras da guerra civil que estoura num país africano. Ele é forçado a se tornar um soldado a serviço de gente que corrompe a sua infância.
Crítica
A estreia da Netflix com longas-metragens ficcionais de produção própria não poderia ter sido mais acertada. Beasts of No Nation é uma obra poderosa em diversos aspectos, a começar pelo tema das guerras civis na África, mas sem cair na mesmice do gênero, tão discutida já em obras como Hotel Ruanda (2004), O Jardineiro Fiel (2005) e Diamante de Sangue (2006), entre outros. Ao narrar a história sob o ponto de vista da juventude e o fim da inocência por conta dos horrores dos brutais conflitos, o filme do norte-americano Cary Joji Fukunaga encontra reflexos em outra interessante produção passada no mesmo continente, o excelente Infância Roubada (2005), do sul africano Gavin Hood. Acima da discussão apresentada, o cineasta apresenta aqui um controle sobre as imagens que extrapolam o nível de qualidade já visto recentemente.
Baseado no romance homônimo de Uzodinma Iweala, Fukunaga constrói um roteiro que utiliza a guerra não como tema principal, e sim um causador da real história que é focada nas mudanças psicológicas que atingem o protagonista, o jovem Agu (Abraham Attah). Da infância feliz, ainda que com suas limitações, até o momento em que é separado da família e recrutado como soldado do exército de resistência do Comandante (Idris Elba), o garoto passa por transformações físicas que só refletem o desgaste de sua psique sob a lobotomia sofrida. Da criança cheia de vida, uma máquina de guerra (quase) sem sentimentos.
O cineasta é certeiro ao saber utilizar a câmera para não apenas contar esta história de uma forma linear e usual, mas sim aproveitar os recursos de imagem e fotografia para exibir seu ponto de vista sob o assunto. Em uma das cenas mais emblemáticas, uma chacina é refletida em tons de preto e branco, com apenas o vermelho do sangue em destaque. Algo que pode não parecer original, mas cai como uma luva, tornando a sequência mais poética – se é que assim podemos chamar o horror da guerra. O dia a dia de Agu e das outras crianças muitas vezes é retratado através de uma paleta de cores opaca, denotando o vazio proporcionado pelas rígidas lições aprendidas e o consequente término de uma infância incompleta. Acima de tudo, as imagens são cobertas com um filtro quase onírico, como se aquela realidade remetesse não apenas a sonhos, mas sim a flashbacks da realidade.
Ao não identificar o país e dar poucas informações sobre o conflito externo, o roteiro evoca sem alarde diversas siglas que não dizem nada a não ser que, não importa quem está contra quem, a guerra é uma inutilidade. Algo totalmente contrário ao discurso do Comandante brilhantemente interpretado por Idris Elba. O ator utiliza de seu carisma natural para compor um personagem tão cativante quando um líder religioso com seus discursos paternais e cultistas que apenas escondem o verdadeiro propósito de suas ações, que é destruir qualquer resquício de humanidade nos seus jovens seguidores (ou prisioneiros).
Porém, nada disso seria possível sem Agu e seu intérprete, o estreante Abraham Attah. O jovem mostra toda a naturalidade da transição de seu personagem no seu íntimo, do sorriso de início, à raiva constante e, especialmente, a apatia que segue à medida em que os horrores vão tomando forma diante dos olhos. Apesar de tudo, o diretor e roteirista ainda mantém uma fagulha de esperança na figura de seu protagonista, que em suas conversas com Deus (sem mencionar religiões) mostra resquícios da criança que tem medo das armas e, especialmente, de ficar longe da mãe.
A trajetória do protagonista é triste e realista. Uma denúncia urgente sobre os horrores aos quais os pequenos estão submetidos em meio a qualquer guerra, resultando na perda da inocência e no crescimento do ódio como discurso. Um dos melhores trabalhos do ano até agora e que bate muito filme que estreou apenas nas grandes salas. Acima destes adjetivos e da tentativa da Netflix em concorrer ao Oscar com o longa (e realmente merece), Beasts of No Nation se faz um filme necessário em uma época que discursos de ódio pipocam das redes sociais para as ruas e demonstram que seu realizador é um talento a ser cada vez mais percebido como uma promessa futura de um dos grandes cineastas da atualidade.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Matheus Bonez | 10 |
Marcelo Müller | 8 |
Chico Fireman | 6 |
Francisco Carbone | 7 |
Daniel Oliveira | 5 |
Adriana Androvandi | 8 |
Cecilia Barroso | 6 |
MÉDIA | 7.1 |
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