Sinopse
Marcelo, um escritor, e Beatriz, uma advogada, se mudam para Lisboa. A moça logo encontra um emprego em uma empresa local, mas seu marido não tem a mesma sorte e encontra dificuldades para começar a escrever seu novo romance. Quando finalmente decide como tema o ciúme, tem como inspiração a própria esposa. Para que o livro seja uma trama de sucesso, Beatriz resolve ajudá-lo: seu objetivo é construir uma personagem que alimente a criatividade dele, só que vai longe demais, vivendo situações intensas e comprometedoras em uma vida dupla sem controle.
Crítica
Há questões complexas em debate no decurso de Beatriz. O escritor que não consegue criar sem base na realidade; a cônjuge permissiva quanto a ser mero substrato da ficção; o desejo como área praticamente insondável. Todavia, há forças retendo os potenciais enormes, especificamente oriundas da reduzida espessura dos protagonistas, eles que podem ser descritos em poucas palavras sem grandes perdas à compreensão de suas completudes. Marcelo (Sérgio Guizé) é um autor mesquinho que extrai criatividade do abismo, arrastando para lá até quem ama. Beatriz (Marjorie Estiano), sua esposa, aceita fazer parte de um jogo ambíguo a fim de preservar a relação com traços patológicos. A despeito das ressalvas no que tange ao novo livro do amado e à sua desistência do emprego fixo para embarcar, sem garantias, na aventura da construção literária, a mulher se deixa tragar ao redemoinho desenhado de modo oscilante pelo cineasta Alberto Graça.
Toda a primeira parte, fundamentada nos jogos eróticos que esse casal desenvolve para, primeiro, manter acesa a chama do casamento, e, segundo, servir de motriz aos contos eróticos publicados numa revista que os ajudam a sobreviver em Lisboa, é bem articulada pelo realizador. Ele aposta no desejo como ignição da cumplicidade, ou seja, de algo benéfico a ambos e de comum acordo. Instigado por um editor espanhol, Marcelo decide jogar tudo para o alto e mergulhar numa jornada autocentrada, mas que, paradoxalmente, precisa do sacrifício cotidiano da amada para funcionar adequadamente. O sujeito escreve sobre uma mulher e sua lascívia, mencionando escapadas extraconjugais que Beatriz topa vivenciar literalmente, num processo gradativamente parecido com autodestruição. Desse ponto em diante, o filme se perde frequentemente em banalidades, apresentando personagens beirando o dispensável, como a espanhola que surge apenas para ser um par de ouvidos atentos ao autor. A interpretação fria de Guizé esvazia a paixão de Marcelo de veracidade.
Beatriz utiliza o teatro como dispositivo narrativo instigante um par de vezes. Concomitante à escritura do livro, há a encenação minimalista da peça baseada nos capítulos já enviados ao editor, o que cria uma camada fértil à demonstração dos conflitos dos personagens principais. Essa mimese gera uma bem-vinda demão lírica responsável por, em certos instantes, aliviar o endurecimento da narrativa que se vale predominantemente do choque, nem sempre eficaz, de fragmentos curtos, o que prejudica a fluidez do todo. Alberto Graça, crescentemente, deixa os protagonistas caírem numa vala comum, sobretudo na fase em que mais seria preciso imergir radicalmente nas suas idiossincrasias. É tão sintomático que a atriz responsável por dar vida nos palcos à equivalente ficcional de Beatriz se rebele contra a subserviência da “personagem” quanto o fato de um homem, no caso o encenador, rechaçar isso, oferecendo uma explicação forçada e que não condiz com os fatos desvelados no enredo. Apesar disso, os esforços de Marjorie Estiano garantem passagens de intensidade.
Beatriz é deflagrada como submissa aos desígnios do marido. A não ser na sequência final, quando há uma bem-vinda rebelião contra a opressão do homem aparentemente em paz com o trajeto pedregoso, no qual o método expõe seu egoísmo aviltante, os desejos femininos não se emancipam das vontades masculinas, então prevalentes e imperativas. O aborto, realizado para que nada atrapalhe o processo com ares de precipício, a sobressalência da metodologia sobre o tesão nas escapadelas pelas ruas de Lisboa, a negação persistente da necessidade de libertar-se, tudo isso evidencia o servilismo outrora denunciado pela intérprete e amainado pelo diretor. Alberto Graça deixa que Marcelo à mercê de julgamentos, não permitindo que ele seja ao menos um pouco simpático aos olhos do espectador. Já a Beatriz é conferido mais espaço, ainda que esse se reduza bastante sempre que as coisas ameaçam se tornar complexas demais. Uma pena que o grande potencial e algumas das boas ideias, como a convivência harmoniosa entre as línguas latinas, não sejam suficientes.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 4 |
Edu Fernandes | 3 |
Robledo Milani | 4 |
MÉDIA | 3.7 |
Texto pretensioso do crítico, quase tão ruim quanto o argumento do filme. Mais uma filme que não fala de nada, não acrescenta nada à filmografia brasileira, só mostra que o cinema nacional ( mesmo que rodado em Lisboa), não saiu ainda das pornochanchadas. Não assista, nem perca seu tempo lendo esse crítico
Não entendi que houve uma submissão da personagem "Beatriz" ao marido, o sentido vai muito além desta rasa e falsa dialética neomarxista homem-opressor x mulher-oprimida. Beatriz faz tudo por vontade própria. Ela aproveita suas experiências, gosta do jogo se sedução, se entrega totalmente aos prazeres com estranhos e ao abandono de si mesma. O marido sofre com isso, as traições da esposa não lhe fazem bem. Há uma evolução natural da sexualidade de Beatriz. Primeiro, faz jogos sexuais com o marido. Depois, estes jogos sexuais passam a ser feitos com estranhos, em encontros casuais. E depois ela se abandona em sua sexualidade e solidão, com práticas mais arriscadas, marginais. Há fetiche na humilhação, no "sujo", no proibido. Uma outra Beatriz emerge ao final desse ciclo, mais dura, independente e pronta para viver sozinha. O filme é.sobre uma dolorosa separação, cujo marco inicial é o exame neonatal colocado na lata de lixo e o aborto. Ali, Beatriz abandona o romantismo e o ideal de um casamento monogâmico apaixonado. Ela está sozinha agora, descobrindo novas possibilidades. Os relatos de Beatriz ajudam o marido com livro, mas também são humilhantes, criando uma relação de "cuckold", ou seja, quando o marido assiste sua esposa mantendo relações com outras pessoas. A sexualidade humana é bastante complexa, e muitos encontram prazer em serem humilhados, usados. O filme tem sua força aí, na personagem Beatriz e na bela atuação da atriz. Há falhas no enredo, mas limitar a análise no raso e artificial tema do "feminismo" é perder o que a obra traz de polêmico e essencial.