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Sinopse

Pretendendo visitar a casa de sua mãe controladora, um homem paranoico embarca numa verdadeira odisseia.

Crítica

Festejado por parte da cinefilia como uma novidade animadora na realidade, em grande parte, padronizada de Hollywood, Ari Aster foi ganhando visibilidade e “poder de fogo”. Ao se transformar tão precocemente numa marca valiosa no cenário independente, colecionou admiradores e detratores em semelhante medida e veemência. Seu Hereditário (2018) foi considerado paradigma de uma suposta tendência chamada publicitariamente de “pós-horror”. Já Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019) foi amplamente celebrado como se tivesse inventado as festas pagãs enquanto território angustiante para personagens desavisados – quarenta anos após o lançamento de O Homem de Palha (1974), para ficar apenas num exemplo de antecessor. No entanto, essa atenção angariada por Aster garantiu a Beau Tem Medo o maior orçamento de sua carreira, uma boa estrutura a serviço de seu longa-metragem mais ambicioso. O protagonista é Beau (Joaquin Phoenix), sujeito na casa dos quarenta anos que está se preparando para ver a sua mãe depois de meses de ausência. De cara, chama a atenção a ambientação nonsense e instigante da vizinhança, com ruas tomadas de delinquentes, suicidas em decomposição diante de uma fauna local pouco solidária, pessoas em situação de rua aos montes, tudo em prol da ideia de caos instaurado. O que pode ser projetado da mente de Beau.

A missão de Beau parece simples: pegar um avião e visitar a mãe no dia do aniversário de morte de seu pai. O protagonista é minuciosamente composto por Joaquin Phoenix, astro cujo trabalho novamente provoca grande admiração. Já no que diz respeito à direção, Ari Aster repete o itinerário de seus longas anteriores. Ele começa muito bem, inclusive demonstrando perícia para expressar determinados estados de espírito e criar atmosferas, mas acaba se tornando refém da presunção que tem num vácuo de grandiloquência o seu ponto fraco. Não demora muito para compreendermos que o filme é um simbólico acerto de contas entre Beau e as ausências materna/paterna, uma jornada em que realidade e imaginação se misturam ao ponto de serem indiscerníveis. Parece uma gigante perda de tempo tentar encontrar as fronteiras entre essas duas instâncias, pois o realizador trabalha arduamente para as delimitações simplesmente não existirem. No entanto, Aster está bem distante da perícia de um David Lynch, por exemplo, cineasta para quem tampouco importam limites entre o aspecto concreto e a dimensão onírica dentro da percepção dos personagens e da plateia. Lynch não está preocupado com o dado espetacular dessa fusão (ou imbricamento, como queiram). Já Aster parece estritamente empenhado em criar um crescendo de absurdos que valem se suplantarem seus antecessores.

Algum sábio afirmou que um filme bom nunca é longo e que os ruins não são curtos o suficiente. Beau Tem Medo está longe de ser necessariamente ruim, mas seus 179 minutos pesam, sobretudo da metade da trama em diante. Justamente quando Ari Aster resolve fazer de seu filme uma sobreposição de possibilidades, expedientes, suportes e dispositivos. A certa altura, a partir da parábola do homem que perdeu os filhos numa enchente, o realizador utiliza a animação e o teatro numa tentativa de incorporar o lúdico nessas aventuras de Beau por suas feridas edipianas e pelos resquícios da ignorância quanto ao seu passado. É exatamente nesse instante que a produção parece se exceder pela mera razão de poder se exceder, uma vez que essas passagens extravagantes pouco agregam, tanto à experiência de Beau, quanto à imersão do espectador na longa jornada traumas adentro. Para se ter uma ideia, Ari Aster é muito mais eficiente na revelação da personalidade do protagonista no início, quando se atém a gestos deflagradores. A pequena crise de ansiedade desencadeada pela dúvida a respeito do remédio ingerido sem água é um sintoma bem apresentado (com uma montagem inteligente e o bom encadeamento de sinais). Porém, quando a envergadura da trama aumenta, Aster tira coelhos e outros distrativos ilusionistas da cartola com o propósito superficial de maravilhar a plateia.

Contrariando os admiradores que o colocam como alguém dissonante da toada uniforme de Hollywood, podemos dizer que Ari Aster recorre em Beau Tem Medo ao mesmo expediente explicativo das superproduções distantes da controvérsia e da dúvida como o diabo da cruz. Não bastasse enfatizar que todas as etapas da jornada do protagonista têm a ver com disfunções familiares – espelhos distorcidos das questões de Beau com a sua ascendência –, o realizador ainda investe num confronto entre o homem e sua supostamente morta mãe, Mona (Patti LuPone). Nessa lavagem de roupa suja com outros acenos ao absurdo, o roteiro assinado por Ari Aster faz questão de esclarecer o que perfeitamente podemos intuir em meio ao nonsense: estamos diante não apenas de um homem com dificuldades para lidar com a mãe, mas também de uma mãe não menos avariada psicologicamente. O confronto com o monstro fálico soa mais como uma tentativa afoita de exacerbar ainda mais esse dado psicanalítico que reduz a terapia à reclamação sobre pais e que prevê um julgamento no qual a matriarca dá o troco. Além disso, algumas perguntas incômodas permanecem no ar, pois não se convertem numa observação crítica da perspectiva desse homem. Por que Beau enxerga pessoas em situação de rua como zumbis? Por que ele vive num ambiente em que a música latina é sempre associada à degradação? E, por fim, por que é visto como vítima de mulheres que utilizam a chantagem sobre abuso sexual para vencer? Reforço de estereótipos?

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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