Crítica
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Sinopse
Dois jovens viajam ao litoral gaúcho em pleno inverno. Cada um lida com demandas específicas, da necessidade de enfrentar questões familiares à aceitação da própria sexualidade. Tudo isso tendo como cenário a casa de vibro à beira de um mar revolto em dias de frio.
Crítica
A introspecção é uma das principais características das produções realizadas no sul do país. Talvez possa-se explicar a peculiaridade ao colocá-la na conta da origem da população, majoritariamente composta por imigrantes europeus, ou no peso da influência de uma moral religiosa. O certo é que o traço não é exclusivo e pode ser encontrado também nos vizinhos Argentina e Uruguai. Beira-Mar, longa de estreia de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, é mais um filme rodado no Rio Grande do Sul e que traz consigo o olhar interno, dialogando na mesma plataforma estética de Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), do paulista Esmir Filho, mas inspirado no texto do gaúcho Ismael Caneppele, A Última Estrada da Praia (2010), de Fabiano de Souza, Whisky (2004), de Pablo Stoll, e Antes que o Mundo Acabe (2009), de Ana Luiza Azevedo.
Martin (Matheus Almada) e Tomaz (Maurício Barcellos) se conhecem de longa data. Mais antiga do que a amizade dos jovens apenas a relação conturbada de Martin com o pai, um personagem tão abjeto que a câmera faz questão de focá-lo de costas para, dali em diante, ignorá-lo por completo. Os poucos segundos em tela não diminuem a força paterna, que será o motor principal do enredo, ao incumbir o garoto de resolver uma questão de herança no litoral. Antevendo a situação com que se depararia, Martin convoca Tomaz.
A estrada é a metáfora inicial – e tradicional – para adentrarmos ao caminho interno do personagens. Ainda que por um curto período de tempo, a distância da família tem um grande significado, e simula a autonomia desejada pelos amigos. Através de decisões banais, como entrar em uma casa noturna ou fumar na praça sem precisar se esconder, que a individualidade é exercida. O mundo adulto estende a mão e a vida parece mais interessante e complexa do que imaginado.
Para a aventura de Martin e Tomaz, a direção de Matzembecher e Reolon transmite o drama existencial dos jovens ao criar uma atmosfera sensorial, apostando completamente na subjetividade e nas câmeras psicológicas. O resultado é um trabalho delicado, próximo ao artesanal. A trilha sonora de Felipe Puperi e o bom desenho de som de Tiago Bello são peças essenciais nessa construção. A montagem de Bruno Carboni e Germano de Oliveira tem de lidar com uma gramática visual delicada, uma vez que o ritmo alongado e contemplativo é um recurso que simula com eficiência os momentos de angústia por que passam os personagens.
Por outro lado, a câmera de João de Queiroz consegue um resultado plástico interessante, mas por vezes compromete a coesão do olhar com sequências como a do videogame e a da felação. A mesma dissimetria surge ao optar por focar e desfocar a imagem, por vezes conseguindo um resultado perfeito, plástico e funcional, e em outras parecendo uma escolha mecânica, justificada mais pela intuição do que pela técnica ou necessidade. As atuações de Matheus e Maurício são o grande trunfo da direção, que encontraram em duas estreias no cinema um encaixe natural e fluido. Bem diferente, porém, do elenco secundário.
Dotado de uma sensibilidade construída quadro a quadro, Beira-Mar envolve o espectador por um talento da despretensão. A simplicidade transforma-se em profundidade quando percebemos não haver ali qualquer artificialismo ou plano de convencimento. O que vemos na tela é natural, por isso tão cru – por isso tão denso.
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