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Sinopse

Prefeita de uma pequena cidade, Clémence trava uma batalha com seu chefe de gabinete para salvar um distrito. No entanto, ao ser cotada para um ministério, ela coloca em risco a missão por conta de sua ambição.

Crítica

Em Belas Promessas, Clémence (Isabelle Huppert) é a prefeita de um município situado numa região suburbana da França. Prestes a anunciar a candidatura de sua sucessora, ela encara as demandas dos inquilinos de um conjunto habitacional superlotado que está caindo aos pedaços. Partindo dessa premissa, podemos imaginar que o filme se concentrará numa batalha entre esferas sociais de poderes distintos: de um lado, os eleitos para governar em prol do povo; de outro, os eleitores que se sentem desprestigiados por aqueles escolhidos para representa-los publicamente. No entanto, não é bem isso o que acontece. O cineasta Thomas Kruithof (que assina o roteiro com Jean-Baptiste Delafon) envereda mais diretamente pelo caminho do thriller político, privilegiando as alianças escusas nos corredores do poder. Ainda que não mantenha a história tensionada/eletrificada como deveria, o realizador se detém nas negociações cotidianas que regem as relações de comando na localidade. Porém, curiosamente, é difícil determinar sobre o quê exatamente o filme fala. Os alvos são muitos e as abordagens vagas. Estamos diante de uma obra focada essencialmente nos personagens ambiciosos? Numa que investiga a fundo os representantes corruptos da classe política? Ou assistindo a um filme no qual sobressai o elemento humano? De certa forma, um pouco de tudo dentro de uma lógica narrativa dispersa.

Thomas Kruithof não parece preocupado em situar o espectador sobre as tantas especificidades político-administrativas em jogo. Ele coloca nas bocas dos atores e das atrizes um “administrês” cifrado que gera a sensação de não alcançarmos plenamente aquilo que os personagens discutem e sobre o quê divergem. Clémence é encarada como uma funcionária pública pretensamente empenhada em facilitar a vida das pessoas que reivindicam melhores condições, mas nunca é considerada uma idealista de carteirinha. Aliás, ela é uma figura escorregadia que oscila entre o cumprimento do dever firmado com os eleitores e as manobras necessárias para ganhar algum tipo de vantagem no campo minado da política. É difícil definir os limites éticos-profissionais dessa prefeita e isso não é necessariamente fruto de uma obscuridade calculada, mas da fragilidade do roteiro quanto à concepção dos papeis dessa ciranda. Há todo um ecossistema revelado em torno dela, do dirigente partidário disposto a chantagem para fazer valer o seu ponto de vista, passando pela sucessora pega de surpresa com a suspensão da aposentadoria da atual prefeita, chegando até Yazid (Reda Kateb), o chefe de gabinete que ensaia assumir constantemente o protagonismo. Ele sim é um personagem com espaço de tela suficiente para manifestar a ambiguidade moral que confere matizes à história sendo contada.

Em certos instantes de Belas Promessas o enredo aborda o infortúnio dos moradores do avariado conjunto habitacional como uma situação deflagradora, ou seja, menos importante em si do que como circunstância que revela toda essa fauna de políticos com trânsito garantido pelo submundo. No entanto, falta ao filme uma posição mais firme e clara diante dessas realidades que se interpenetram – sem a miserabilidade de uns, os outros não têm como angariar poder. Um elemento pouco destrinchado nessa trama repleta de personagens e situações sintomáticos é a exploração dos refugiados por um locatário pouco preocupado com o bem-estar de seus inquilinos. Thomas Kruithof coloca em tímida evidência o “laranja” encarregado de coletar valores abusivos de homens e mulheres que precisam se sujeitar à exploração porque encontram no conjunto habitacional a alternativa de moradia no país em que estão ilegalmente. Novamente, essa questão é considerada periférica (um dano colateral, talvez) em comparação às movimentações dos políticos cujas decisões afetam um contingente enorme de gente. Portanto, a exploração dos refugiados é tratada pura e simplesmente como outro percalço ao qual as pessoas comuns são submetidas por não deterem o real poder de decisão sobre os rumos das suas vidas. O acúmulo de desperdícios mantém o filme numa temperatura morna.

Belas Promessas é carente de foco. Isabelle Huppert está praticamente no piloto automático como a prefeita que precisa lidar com diversas demandas – inclusive um possível convite para ser ministra de Estado –, enquanto encara a realidade e prepara a substituta à altura. A atriz francesa está numa zona que lhe soa confortável ao viver essa mulher de semblante duro que não oferece indícios significativos de humanidade, pois observada majoritariamente como a engrenagem indicativa de uma situação política regida pelos inescrupulosos. Do ponto de vista das interpretações, quem sobressai é Reda Kateb na pele do chefe de gabinete que vai demonstrar bem mais astúcia do que poderíamos esperar de um homem reconhecido por seu pragmatismo. O que sabota tanto o crescimento dos personagens quanto a observação de cunho sócio-político é a ausência de um empenho maior diante de determinadas temáticas e circunstâncias. Às vezes o filme é sobre essa corja de políticos desalmados; noutras mais parece um recorte das mazelas do subúrbio de uma das principais regiões do mundo; em outras ainda soa como um thriller empenhado em denunciar a leviandade da classe política. Em suma, são muitos os recortes e temas encarados, mas nenhum deles assume a função de núcleo em torno do qual todo o resto se desenvolve e/ou se revela. E essa dispersão acaba minando o resultado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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