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Sinopse

Uma jovem universitária em busca de dinheiro atende a um anúncio de jornal e passa a fazer parte de uma estranha rede de garotas de programa que adormecem e são contempladas por seus clientes.

Crítica

Acima de tudo, estranho. Assim pode ser descrito Beleza Adormecida, primeiro filme da artista plástica australiana Julia Leigh, também autora do roteiro. Apadrinhada pela conterrânea Jane Campion, Leigh constrói aqui um trabalho que aposta no distanciamento entre os personagens e destes com o público, como se todos, em ambos os lados da tela, estivessem um tanto sonâmbulos. Mas se por um lado nos afastamos, por outro temos nossa curiosidade instigada a respeito desse mundo retratado e dessa garota, bela e apagada, que diante tantas possibilidades reluta em simplesmente deixar se entregar. E, quando isso finalmente acontece, ela vê seus problemas atuais desaparecerem apenas para darem lugares a novos. E nesse momento de decisão a trama deixa-lhe escapar a responsabilidade, cabendo ao espectador obter a melhor conclusão. Satisfatória ou não.

Lucy (Emily Browning) é uma jovem em busca de um espaço. Profissional, amoroso, afetivo... a impressão que temos é que ela está vazia, e tudo ainda precisa ser preenchido. Possui poucos relacionamentos, não dá a menor atenção ao trabalho insignificante que ocupa suas tardes e soa alienada da família (o único contato que presenciamos é um rápido telefonema envolto em mentiras e desculpas). A situação parece apontar para uma mudança quando recebe uma dica de uma outra atividade que lhe tomará pouco tempo, porém com altos lucros. Ela é convidada a fazer parte do elenco de um exótico clube de sexo, que possui regras bem rígidas – toda penetração é proibida, por exemplo – e só permite o acesso a membros selecionados. Neste ponto o desenrolar da trama parece se confundir com a própria protagonista, e sentimos o mesmo estranhamento e desconfiança que ela enfrenta. Só com uma diferença: nossos olhos estarão abertos e os sentidos, ligados.

Quem lembra de De Olhos Bem Fechados (1999), longa derradeiro de Stanley Kubrick estrelado por Tom Cruise e Nicole Kidman, terá uma boa ideia do que se vê em Beleza Adormecida. Porém a visão aqui está no outro lado das cortinas, que são desvendadas para o mundo exterior apenas na última hora. A falta de motivação da protagonista pode ser encarado como uma crítica à atual situação contemporânea da juventude, que tem acesso a tudo mas nada lhe interessa de verdade. Mas a diretora não é incisiva o suficiente em seu discurso, e a impressão geral acaba apontando para uma falta de objetividade de todo o projeto, resvalando na própria crítica que pretendia realizar.

Com a atual onda de versões cinematográficas em carne-e-osso de contos de fada clássicos, deflagrada após o impressionante sucesso de Alice no País das Maravilhas (2010) – e seguido por A Garota da Capa Vermelha (Chapeuzinho Vermelho) e pelas duas adaptações de Branca de Neve deste ano (Espelho, Espelho Meu e Branca de Neve e o Caçador), Beleza Adormecida pode ser facilmente confundido como uma releitura de A Bela Adormecida. Tal engano não seria por inteiro despropositado, pois há, de fato, elementos que ligam as duas histórias. Mas o filme atual, selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cannes, tem uma crueldade, uma insatisfação e uma falta de ânimo que o distancia irremediavelmente de qualquer fábula infantil. Pode ser considerado uma versão da fábula, mas a partir de olhos modernos e pessimistas, pelos quais um final feliz é tão impossível quanto improvável.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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