Crítica
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Sinopse
Lester e Carolyn Burnham vivem de forma aparentemente perfeita: casal sem problemas conjugais morando em uma bela casa e em uma ótima vizinhança. Porém, Lester não se sente feliz, e cada vez mais, se afunda em depressão. Ele enxerga as coisas mudarem quando conhece Angela Hayes, uma atraente amiga de sua filha adolescente. A partir deste momento, ele sente que pode mudar sua vida.
Crítica
“Meu nome é Lester Burnham. Essa é minha vizinhança. Essa é minha rua. Essa é minha vida. Eu tenho 42 anos e, em menos de um ano, estarei morto. É claro, eu ainda não sei disso. E, de certa forma, eu estou já morto”. Qualquer outra detalhada sinopse não conseguiria sumarizar melhor a trama principal de Beleza Americana, uma vez que esta pequena narração inicial revela o mote do mesmo e cria uma aura intrigante em torno de seu enredo. Assim como no magistral Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder, primeiro filme a utilizar o recurso da narração post-mortem, Beleza Americana se inicia contrapondo-se à grande maioria de outras narrativas, que deixariam a informação da morte do protagonista bem guardada para um derradeiro e surpreendente final. Essa é a primeira de várias escolhas geniais que o roteirista Alan Ball aplica em seu texto, quando se desvencilha de uma possível conclusão convencional para se ater a outras diversas indagações e análises, que são seus reais objetivos.
Debute cinematográfico de Sam Mendes, Beleza Americana possui momentos extremamente simbólicos, que exprimem de forma visual os conceitos inseridos em sua trama, capturados habilmente pelo diretor de fotografia Conrad L. Hall. O primeiro e mais importante desses elementos, que deve ser visível para qualquer espectador, são os enquadramentos de Mendes que insistentemente evidenciam a presença de rosas no ambiente em que se passam algumas sequências. Não se tratam de simples rosas, porém de american beauties. Presente no nome original do filme e em sua literal tradução nacional, a american beauty é uma variação de rosa muito comum nos Estados Unidos, visualmente perfeita, porém sem cheiro nem espinhos. A sutileza com que Mendes as apresenta faz um paralelo com as famílias suburbanas americanas que protagonizam sua história e que, aparentemente perfeitas com suas belas casas, carros e sorrisos, são emocional e evidentemente vazias.
O casal principal, composto por Carolyn e Lester, possui tantas facetas que seus personagens, somados às interpretações fantásticas de Annette Bening e Kevin Spacey, podem ser analisados a partir de múltiplas perspectivas. A relação aparentemente controversa que os dois partilham, extremamente maternal, é a que mais salta aos olhos. Basta que se repare na imposição corporal de Carol sobre Lester, que constantemente fica curvado perante sua presença, ou no tratamento infantil que o mesmo recebe de sua esposa. Esse envolvimento entre dominante-dominado é evidente ao ponto de uma sequência com conteúdo sexual entre os dois parecer quase incestuosa. Ao criar personagens estruturalmente perfeitos e bastante complexos, Alan Ball fez do Oscar que ganhou por este roteiro uma honraria muito merecida, mérito que a produção detém juntamente com os Oscars de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia e Melhor Ator, para o irretocável Spacey, e as indicações nas categorias de Melhor Atriz (Bening), Melhor Edição e Melhor Trilha Sonora Original.
Os demais personagens, por menores participações que alguns possam ter, de forma alguma podem ser considerados descartáveis ou coadjuvantes, pois Beleza Americana se trata de uma obra de muitos protagonistas. Jane Burnham, interpretada por Thora Birch, possui os habituais problemas da adolescência que se somam às desestabilidades que sua família sofre, e ela não sabe bem como se portar perante isso. Ao conhecer Ricky (Wes Bentley), seu novo vizinho, vê nele uma possibilidade de deixar de lado sua fragilidade. Contraposto à passividade do pai de Jane, o coronel Frank Fitts (Chris Cooper), pai de Ricky, é extremamente disciplinador e castrador, e ao longo do filme se entende os motivos que o tornaram assim. Provavelmente em parte culpado pela sanidade mental de sua esposa, o coronel torna também a vida de seu filho insustentável.
Beleza Americana esmiúça o estilo de vida suburbano na América do Norte, sem deixá-lo restrito à parcela de público que habita o local. Assim como o perito no assunto Todd Solondz fez nos memoráveis Bem-vindo à Casa de Bonecas (1996) e ainda mais em Felicidade (1997), Beleza Americana analisa os problemas do cotidiano dessa classe e os meios encontrados - ou não - para resolvê-los. O filme beira a perfeição, assim como as rosas que pontuam seu desenvolvimento, porém, diferentemente delas, não envelhece ou morre com o tempo, apenas tem suas críticas sagazes reforçadas pelos modelos sociais imperantes no american way of life das classes norte-americanas mais abastadas.
Look closer. Em tradução direta: "olhe mais perto". Essa frase, que serve como uma pista para o que o filme reserva, foi utilizada massivamente em sua campanha de marketing e é fundamental para o espectador. Presente também como uma segunda notificação em um pôster na estação de trabalho de Lester, a frase atenta que um primeiro olhar superficial nunca é suficiente, assim como um primeiro julgamento quase sempre é equivocado. Em cada revisita, Beleza Americana mostra diversos novos aspectos, passíveis de outras análises, o que evidencia, mesmo com o passar do tempo e o surgimento de outras grandes obras sobre o tema, a eminente supremacia deste magnífico trabalho de Sam Mendes.
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