Sinopse
Moradora de uma aldeia rural aos 17 anos, Suzu se sente apenas como uma sombra de si mesma. Mas isso muda completamente quando ela entra num mundo virtual com bilhões de membros no qual se torna uma cantora famosa.
Crítica
Belle começa apresentando um cenário promissor, embora não novo. Nele, Suzu (voz de Kaho Nakamura) é uma jovem retraída desde que sua mãe morreu ao tentar salvar outra criança de um afogamento. Ela sente dificuldade de se comunicar com o pai (mesmo que ele demonstre ser atencioso e compreensivo); se encaixa mais na ala intermediária da escola, onde sequer consegue expressar seus sentimentos pelo menino amado. Portanto, a protagonista desta animação japonesa é parecida com várias personagens vistas antes no cinema: a adolescente praticamente invisível. Mas, ela vive numa época em que é popular a convivência paralela numa realidade virtual denominada U. Os adeptos desse simulacro com ares surrealistas têm suas biometrias escaneadas para gerar um avatar – ou seja, um segundo “eu” – que tenha a ver com as suas essências humanas. Além disso, as versões digitais não enfrentam as limitações do mundo real nesse ambiente. Nessa simulação hipercolorida, Suzu deixa de ser a garota comum que se confunde facilmente na multidão e se torna uma popstar que rapidamente alcança o topo das paradas de sucesso. Pena que o diretor/roteirista Mamoru Hosoda não se aprofunde nas implicações filosóficas das diferenças/semelhanças entre a realidade e a virtualidade. Além disso, se abstém de desenvolver as características daquele lugar. Assim, não sabemos muito sobre o seu funcionamento.
Uma vez que Suzu se transforma na exuberante Belle e (sem muitas cerimônias, repentinamente) vira a mais famosa dos cinco bilhões de usuários, é de se imaginar uma série de consequências dentro dessa outra sociedade. Por exemplo, a cantora que se apresenta on-line para milhões de espectadores pode acumular um poder financeiro enorme, mas as complexidades dessa situação são logo tiradas da frente como se fossem meros empecilhos. A melhor amiga da protagonista diz: “estou doando esse dinheiro anonimamente para instituições de caridade” e simplesmente não se fala mais nisso. Para termos uma base de comparação, em Jogador Nº 1 (2018) há uma atenção bem maior ao entendimento desse metaverso dentro daquela sociedade. Definitivamente, não é o que acontece com Belle. Mamoru Hosoda não investe nesse diálogo entre a menina introspectiva e a diva celebrada. Nem mesmo a constatação de que Suzu finalmente consegue voltar a cantar por conta da “máscara” virtual é enfatizada. O cineasta apenas correlaciona a dificuldade de vocalizar na realidade com a perda da mãe, mas parece se esquecer de sublinhar o quão simbólica é a expressão disso que unia Suzu à mãe. Pequenos dramas adolescentes, tais como o menino pretendido e a falta de autoestima, vão ganhando o espaço que poderia ser utilizado para tornar o filme bem mais profundo, denso e questionador.
A trama se desenvolve de um modo disperso. E isso acontece porque Mamoru Hosoda parece querer enfiar vários filmes dentro do filme. Primeiro, a mal trabalhada ideia do simulacro e da máscara; depois, os não menos superficiais anseios amorosos da protagonista (em meio aos quais a fama de Belle é pouco situada); depois entra em cena uma homenagem ora bonita, ora quase deslocada à A Bela e a Fera (1991); por fim o assunto dos maus tratos domésticos, fase em que as mensagens crescem ao ponto de encobrir todo o resto. Belle é uma estrela suntuosa e sofisticada. Em certo instante, é apresentada a um Dragão antropomorfizado que é tratado como abominação. E, se no começo do filme Mamoru Hosoda não é bem-sucedido por evitar esforços para extrair algo da dualidade real/virtual, nesse ponto da trama ele reitera a sua displicência ao não tirar resultados de outra dualidade: beleza/brutalidade. O que está implícito no trajeto de A Bela e a Fera é a natureza enganosa das aparências, ou seja: pode haver doçura num corpo teoricamente grotesco e superficialmente ameaçador. Belle não faz menção ao filme da Disney como uma estratégia para reciclar essa noção carregada pela metáfora, mas como homenagem que funciona apenas no momento da dança. Ali, a conexão entre esses mundos díspares se resolve de uma maneira bonita. Quase piegas, mas ainda bonita. Essa lógica de "as aparências enganam" é decentralizada em meio a tantas subtramas da animação japonesa, assim perdendo a importância.
A acumulação de elementos traz uma sensação de falta de foco. Afinal de contas, do que essencialmente Belle fala? Das máscaras que ajudam, mas que podem atrapalhar por também ocultar o lado bom? Da dificuldade da menina de expressar paixão pelo menino que prometeu protege-la desde a infância? Da infelicidade que pode gerar subprodutos carregados de características, ao mesmo tempo, de algozes e vítimas? Das frustrações adolescentes projetadas num mundo virtual exótico que destoa da realidade monótona? Aliás, como funciona esse metaverso no qual os heróis são encarados como vilões? Ao tentar abraçar tudo isso simultaneamente, Mamoru Hosoda faz um filme de encantamento e emoção ocasionais, mas que geralmente avança cumprindo certos protocolos para garantir que mensagens positivas prevaleçam. Diretor dos famosos O Rapaz e o Monstro (2015) e Mirai no Mirai (2018), ela fez de Belle uma produção que desperdiça discussões interessantes em função da valorização da coragem, da empatia diante das impossibilidades alheias, bem como do poder curativo do afeto e da atenção. Fica na boca um gosto de “filme de lição”, daqueles que jogam suas potencialidades pela janela para ensinar algo ao espectador por meio do aprendizado da protagonista. Nada de ponderações sobre vários “eu”, tampouco a apuração dos meandros da virtualidade (sintomática?). Tudo é minimizado em prol de ensinamentos e advertências, de “morais da história” rumo ao confortável final feliz.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 4 |
Alysson Oliveira | 6 |
Chico Fireman | 7 |
Ailton Monteiro | 6 |
MÉDIA | 5.8 |
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