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Sinopse

Uma grande muralha que desviou o curso do rio Xingu é motivo de disputas entre grupos com prioridades distintas.

Crítica

Mais uma coprodução entre o canal de TV pago Globo News e uma produtora cinematográfica, neste caso a Indiana Filmes, resulta em um documentário com temática polêmica. Desta vez o foco são as consequências da construção da usina de Belo Monte, que mudou a paisagem do rio Xingu e o cotidiano dos moradores da cidade de Altamira, no estado do Pará. Quem acompanha o noticiário televisivo com certeza conhece o tema, mesmo que apenas na superfície. Uma sessão de Belo Monte: Um Mundo Onde Tudo é Possível não vai fazer ninguém mergulhar nas profundezas da questão, mas pode plantar a dúvida.

Dirigido por Alexandre Bouchet, que já havia tratado do tema do meio ambiente em Baía dos Pesadelos (2016), o documentário inicia sua narrativa três anos antes da inauguração de Belo Monte, no auge dos conflitos entre indígenas e empreiteiras responsáveis pela construção da terceira maior usina do mundo. As tribos têm reivindicações bem claras, já que sua fonte de sustento e suas aldeias foram afetadas pelas constantes implosões necessárias para a obra seguir em frente. Belo Monte: Um Mundo Onde Tudo é Possível dá seu pontapé inicial com parcimônia, talvez para que as imagens que virão na sequência tenham ainda mais impacto sobre o espectador. Mesmo que o pajé e seus companheiros afirmem que não querem utilizar a violência para terem suas demandas ouvidas, as cenas desmentem este desejo. Ameaças com arco e flecha, objetos pontiagudos e empurrões. O índio saiu da floresta para fazer a guerra. O inimigo tem armas de fogo, mas não parece impor medo. Não há mortes, mas algo ainda assim chocante: centenas de trabalhadores da obra de celulares em punho, registrando o bate-boca entre seguranças e indígenas. Primeiro as redes sociais, depois o conhecimento do que se trata a discussão.

A cena é rápida e não há nenhum questionamento dela por parte do narrador, que não poupa adjetivos como “cruel”, “destruidor” e “perigoso” para caracterizar os homens brancos que fazem de Belo Monte uma realidade. O vilão parece claro como a água que um dia o Xingu teve, ao ponto da trilha sonora apresentar referências às composições que o maestro italiano Ennio Morricone realizou para os spaghetti westerns da década de 1960 e 1970. Arma-se o cenário do duelo mas, assim como um filme que solta da máquina no auge, Belo Monte: Um Mundo Onde Tudo é Possível frustra a plateia. O aumento da população e, em consequência, da violência em Altamira é impresso no documentário por meio de breves falas do delegado local e o registro da ocorrência de um assassinato, com direito a close no cadáver.

Daí em diante vemos um grupo de defesa do Xingu tentando desviar o leito do rio como forma de protesto, pessoas que perderam suas casas e precisam se contentar com indenizações ou mudanças para novos condomínios erguidos pelo governo. Tudo sem contestação ou aprofundamento nas causas. Descobrimos que Altamira nunca foi tão movimentada, ao ponto de um homem, Adão, ser chamado de empresário pelo narrador, quando na verdade seu “trabalho” é recrutar mulheres para a prostituição numa boate que ele construiu na beira da estrada que dá acesso a usina. O tom é quase de deboche e não há nenhuma abordagem da situação como crime, a não ser quando imagens de arquivo mostram Adão e seus comparsas sendo presos. Ninguém parou para ouvir as mulheres que tiveram que se prostituir para sobreviver a Belo Monte e suas destruições, com um “patrão” que leva um 38 na cintura sem cerimônias.

Anunciado pela distribuidora Globo Filmes como documentário, Belo Monte: Um Mundo Onde Tudo é Possível mais parece uma reportagem feita com pouca apuração e nenhum senso crítico. Se a resposta para as escolhas dos realizadores for a imparcialidade, tudo se rompe ainda mais, já que fica claro que quem está atrás das câmeras e contra a usina, mas parece estar mais interessada nas confusões que ela causa do que em apontar problemas concretos ou mesmo indicar estratégias de melhoria. É desolador ver pessoas que tiveram seus lares e empregos retirados sem um resquício de piedade ou diálogo. Mas é ainda mais assustador perceber que há pessoas registrando tudo pela mera obtenção da imagem. Assim como quem segura um celular no meio do conflito, atento para se o botão de gravar foi apertado.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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