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Crítica

Quando exibido no Festival de Berlim, no começo deste ano, a estreia do diretor argentino Benjamín Naishtat dividiu opiniões. Ao final do filme, as expressões variavam do encantamento diante da surpresa ao desprezo pelo insólito. Bem Perto de Buenos Aires, péssima tradução para o esclarecedor título Historia del Miedo, tem um frescor de forma e conteúdo.

Escrito e dirigido por Naishtat, o longa de pouco mais de 70 minutos trabalha com a suspensão da continuidade da ação. Estamos próximos a Buenos Aires, em um espaço no qual acompanhamos eventos que se realizam sem que observemos o que os origina e seus resultados. Há uma sensação de caos social e um calor aterrorizante – quem conhece a capital argentina sabe que este não é um fator meramente fictício – que incutem nos personagens um medo paranóico e paralisante.

A narrativa cinematográfica – assim como a literária – é fundada sob o registro da cumplicidade completa ou parcial. O espectador observa não aquilo que deseja, mas aquilo que lhe é permitido ver. Em certas artes, como na música, o sentido é dado de imediato. Mesmo que você não consiga traduzi-lo em palavras, o som é soberano – e a incapacidade é toda nossa. No cinema, porém, o sentido depende da evolução das situações – e por isso a montagem assume papel fundamental.

O que Bem Perto de Buenos Aires faz é trabalhar com a proposta de destituir a ação de pelo menos  um dos seus pontos de sustentação – início ou fim. Não que os acontecimentos deixem de ter um começo, meio e fim; obviamente, terão, mas o fato de não enxergarmos o processo completo gera o estranhamento que vemos em tela e faz com que o leitor procure incansavelmente por completar o sentido. Quando falhamos neste processo – e no caso do filme de Naishtat isso acontece em boa parte da projeção – nos sentimos abandonados e enganados. Talvez, com medo da não compreensão.

A tática do roteiro escrito pelo diretor é colocar os personagens – e, em parte, o público – em posição de incerteza. A inserção de uma espécie de reportagem violenta durante a narrativa soma-se tanto para o acréscimo do estranhamento – o que é exatamente aquilo? quem veicula e por quê? – quanto para traçar a trajetória crescente do medo. Ora, em uma Argentina completamente desestruturada, com graves questões sociais, econômicas e políticas, não é de surpreender que mais do que qualquer receio concreto, seja o fantasma do medo a tomar conta da população.

Longe de estar isolado, o trabalho de Naishtat encontra companhia no registro do fantástico. A tradição é mais comum na literatura (lembremos a excepcional abertura de A Invenção de Morel, do argentino Bioy Casares: hoje, nesta ilha, aconteceu um milagre. O verão adiantou-se), uma vez que o cinema, pelo sua natureza, tende ao realismo. No cinema, por sua vez, o legado da obra de Lucrecia Martel (A Menina Santa, 2004; O Pântano, 2001; A Mulher Sem Cabeça, 2008) tem resquícios mais do que óbvio no trabalho psicológico de Bem Perto de Buenos Aires.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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