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Sinopse

Aimée é a herdeira principal de um empresário que está envolvido num esquema de corrupção. Pela primeira vez sem a mesada generosa do pai, ela terá se fugir para uma fazenda em Quixeramobim, no interior do Ceará.  

Crítica

Halder Gomes conseguiu, com Cine Holliúdy (2012), um feito que muitos acreditavam não ser mais possível: o fenômeno regional de bilheteria. Se no passado nomes como Mazzaropi (no interior paulista) e Teixeirinha (Rio Grande do Sul), entre outros, conseguiam levar milhões às salas de cinema sem se valer de uma ocupação nacional ou do potencial de público das maiores capitais, o realizador cearense repetiu esse desempenho a partir do seu estado de origem, se espalhando por quase todo o Nordeste. Se a mesma popularidade não se repetiu mais ao Sul do Brasil, isso pouco importou: o que havia alcançado até aquele momento não só teria sido o bastante para garantir uma sequência (Cine Holliúdy 2: A Chibata Sideral, 2018), como o desdobramento da trama na série televisiva Cine Holliúdy (2019-2022), exibida pela emissora de maior audiência do país – o que está longe de ser pouca coisa. Com Bem-Vinda a Quixeramobim, seu mais recente trabalho, tudo o que busca é repetir a façanha. A intenção, no entanto, por mais declarada que seja, está longe de se equiparar nos resultados.

No citado Cine Holliúdy, o que valia era a máxima “fale de sua aldeia e comunique-se com o mundo”. Tudo era tão típico e característico do interior do Ceará que, para garantir o entendimento em outras regiões, se fazia necessário o uso de legendas que traduzissem expressões idiomáticas do modo de falar local. Pois em Bem-Vinda a Quixeramobim, esse recurso mais uma vez se verifica. Só que, dessa vez, acaba por soar forçado, como que atendendo a uma expectativa anteriormente criada. As situações vividas pela protagonista, uma jovem paulistana que se vê obrigada a viajar ao sertão, na maioria das vezes estão longe de serem naturais, como se ensaiadas para causar estranheza em um público ávido pelo exótico, e não apenas curioso por um outro modo de se manifestar. Entre verdadeiros achados, como o ditado “perfeito é o c*, que é furado de baixo para cima e ainda assim não vaza”, o que se percebe é uma constante reiteração de elementos que, se na primeira vez se revelam certeiros, rapidamente acabam desgastados pela insistência despropositada. Difícil encontrar outra produção nacional que inclua mais vezes o orifício anal em seus diálogos.

Aimée (Monique Alfradique, finalmente demonstrando uma assertividade que nenhum dos seus esforços anteriores na tela grande haviam lhe possibilitado, mostrando-se à vontade em qualquer um dos diferentes registros de sua personagem) é uma influencer digital que conquistou milhares de seguidores ao exibir nas redes sociais o estilo de vida abastado que o pai empresário lhe proporcionava. No entanto, quando esse é preso por sonegação de impostos (entre tantas outras acusações), a ela cabe uma única alternativa para se manter: encontrar (e provavelmente vender) a casa que teria sido de sua mãe. O problema é que a propriedade fica na tal Quixeramobim do título, um vilarejo no meio do nada, perdido há muitos quilômetros de Fortaleza. Para ir até lá, passará por alguns percalços – como um carro alugado que soa estranho apenas por ser de câmbio manual, uma coxinha frita sabe-se lá quando que irá lhe provocar revoluções estomacais e um banheiro de posto de gasolina prestes a transbordar. O riso, portanto, se mantém próximo da escatologia e dos excessos visuais, como se a graça só fosse viável através das provocações, e não fruto do mero encontro de duas realidades por si só distintas o suficiente.

Quando finalmente chega ao seu destino, lá encontra outra pessoa morando no lugar que lhe pertence: Alan Darlan (Edmilson Filho, parceiro habitual do diretor), com o qual irá criar imediata antipatia. Pois bem, eis mais um arquétipo que se estabelece: se logo se veem como antagonistas, não irá demorar até que um acabe seduzido pelo outro e, frente a um mal maior, acabem por unir forças. Eis o maior problema do filme: a falta de foco. Se ficasse restrito à busca pela herança materna e a necessidade dessa que vive do apreço alheio em valorizar a si mesma sem a constante atenção dos demais, tudo isso movido a partir de um choque entre culturas, talvez tamanha simplicidade contribuísse em aumentar a dimensão da narrativa. Porém, lá pelas tantas (com quase metade da projeção já corrida), eis que surge uma subtrama envolvendo uma fábrica de cervejas (a Kool Bier, quando a quinta-série que habita nos roteiristas cumprimenta a quinta-série remanescente entre os espectadores), o desvio de um rio e a falta de água que assola toda uma cidade. Esse imbróglio é posto com o intuito de ‘elevar’ o discurso, abordando questões políticas, econômicas e sociais. Porém, essa visão crítica nunca chega a ser percorrida da forma como ameaça. Muitas portas se abrem, mas nenhum dos caminhos vislumbrados é, de fato, percorrido.

Entre uma trilha sonora óbvia e reiterativa e uma fotografia reducionista na maior parte do tempo, que pouco explora o embate entre os cenários percorridos pela protagonista, Bem-vinda a Quixeramobim tem, felizmente, seus acertos. Estes estão em maior parte no elenco, muitos frequentes nas obras de Gomes e habituados ao seu estilo rápido de direção. Entre os dessa vez reunidos, importante destacar as participações iluminadas de Valéria Vitoriano (como Genésia, a dona da pousada/bordel), e de Max Petterson (como Eri, que acaba se tornando um braço direito de Aimée em sua jornada). Ambos são típicos representante do humor cearense contemporâneo, e a desenvoltura que demonstram faz jus à confiança que neles é depositada – os dois roubam todos os olhares a cada aparição. Com mais dessa dupla e menos de nomes conhecidos, como Silvero Pereira (constrangedor) e Luis Miranda (desperdiçado), é provável que o conjunto se mostrasse ainda mais azeitado. E assim, entre (alguns) acertos e outros (tantos) deslizes, o que se confirma é a vontade do cineasta em alcançar o mesmo pote de ouro do final do arco-íris que uma vez encontrou. Mas, como se bem sabe, é raro um raio cair duas vezes num mesmo lugar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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