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Crítica


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Sinopse

Recém-deixado pela mulher, Guglielmo sofre uma transformação ao conhecer Luna, uma animada jovem vinda dos subúrbios de Roma. Ela o convence a utilizar um app de relacionamentos, o fazendo encarar uma série de encontros.

Crítica

Mulheres demais para homem de menos. Assim pode ser descrita a comédia Bendita Loucura, filme inédito que chega ao Brasil por meio da programação da 8 ½ Festa do Cinema Italiano 2020, iniciativa que tenta divulgar no país os destaques da cinematografia contemporânea de um dos mercados mais prolíficos de toda a Europa. Porém, é notório durante a sessão que este é um longa para consumo interno – inclusive com a inserção de mais de um merchandising escancarado, ação que só tem efeito prático entre os conhecedores locais da marca – e que pouca repercussão deverá encontrar ao redor do mundo. É como uma das afamadas “comédias globais” produzidas à profusão por aqui cerca de uma década (ou mais) atrás, tipo de produto para consumo rápido, e de igual – senão imediato – esquecimento.

Escrito, dirigido e estrelado por Carlo Verdone, este é mais um esforço para capitalizar em cima do nome do astro, verdadeiro fenômeno de público em seu país de origem. Ele está em praticamente todas as cenas do filme, e caso o espectador não simpatize de imediato com esse senhor careca, gordinho e já de certa idade, é bom se preparar pois isso é basicamente o que irá encontrar daqui em diante. O que pode render sequências descartáveis e até mesmo constrangedoras – como, no papel de um homem recém separado, encara uma série de mulheres sem noção em suas tentativas de conquistar um novo amor usando um aplicativo para relacionamentos, o que lhe proporciona contatos com uma ninfomaníaca alcoolizada, uma hipocondríaca sem medidas ou mesmo a confusão da tia idosa com a sobrinha que conhecia apenas por foto, visões misóginas e que poderiam ter sido evitadas. Por outro lado, também proporciona algumas passagens memoráveis e que tiram o conjunto da mediocridade absurda, como o clipe “fui drogado e nem me dei conta”, ao qual o protagonista se submete ao pedir um comprimido de paracetamol e engolir um ecstasy – a impressão é de se estar em uma balada eletrônica digna dos melhores momentos vividos por Jude Law na série The Young Pope, 2016 (ou mesmo na sequência, The New Pope, 2019).

Como se percebe, mesmo os pontos de destaque da trama não são nada originais – afinal, quantas vezes não se viu personagens ‘caretas’ recorrendo aos efeitos alucinógenos das drogas para tentar arrancar risadas dos espectadores? Enfim, após a esposa de 25 anos trocá-lo por uma outra mulher – o que poderia abrir portas para uma abordagem escrachada e estereotipada (para não dizer ofensiva) da postura lésbica na terceira idade, o que felizmente é evitado – Guglielmo (Verdone, muito à vontade) se dá conta que precisa recuperar dentro de si aquele homem que, um quarto de século atrás, gostava de sair sem destino tendo apenas sua motocicleta como companheira. Hoje ele é dono de uma loja de artigos eclesiásticos que herdou do pai e se vê encerrado entre padres e freiras, cardeais e bispos. Porém, quando a destrambelhada Luna (Ilenia Pastorelli, de Meu Nome é Jeeg Robot, 2015) lhe aparece pedindo emprego, suas mais profundas convicções começarão a ser abaladas.

O problema maior de Bendita Loucura é que a narrativa aposta demais no carisma de Verdone – algo que ele tem, é fato, mas que é construído com o tempo, e portanto deve ressoar com maior impacto entre o público italiano. Tanto que chega ao ponto dele ficar indeciso entre três possíveis pretendentes: Luna, que lhe mostra como ver a vida de um modo mais leve e descompromissado, Lidia (Lucrezia Lante della Rovere, de 007: Quantum of Solace, 2008), a ex-mulher, que começa a ter dúvidas se fez certo, ou não, em ter acabado com o casamento, e Ornella (Maria Pia Calzone, de O Segredo de Nápoles, 2017), a enfermeira que o atende em uma das suas tantas passagens pelo hospital (primeiro para se recuperar das drogas tomadas involuntariamente, depois por causa de uma companhia que usou um smartphone como vibrador erótico e acabou perdendo o aparelho... dentro de si mesma!).

Além de tornar difícil a tarefa da audiência de torcer por uma ou outra delas pelo excesso de opções – com exceção de Luna, as demais tem pouco tempo em cena para criar qualquer tipo de intimidade – há ainda como agravante o comportamento de Guglielmo, inconstante e frágil em suas decisões. Uma hora decide esquecer daquela, na seguinte se declara apaixonado por outra, mas abandona essa no primeiro aceno de uma terceira – e assim por diante. No final, entre tantos soluços e tropeços, resta um personagem que, mesmo falho, se mostra cativante, e por isso, muitas vezes também desculpável. Bendita Loucura é não mais do que um passatempo, como tal foi concebido e é assim que deve ser percebido. Não que isso o torne uma opção mais ou menos válida, apenas é algo do qual a audiência precisa ter ciência. E, acima de tudo, um retrato de uma parcela da cultura do seu país – um registro envelhecido, é certo – mas, ainda assim, curioso.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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