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Sinopse

​Berenice é uma mulher dedicada ao trabalho como taxista no Rio de Janeiro. É consumida pela profissão e o pouco tempo que lhe sobra precisa ser dividido entre a criação do filho Thiago, um adolescente descobrindo sua sexualidade, e sua conturbada relação com o marido Domingos, repórter policial. As marcas do relacionamento desgastado, arruinado pelos rompantes violentos do marido, apagaram sua feminilidade e a levaram a um grande vazio existencial. O assassinato de Isabelle, uma linda transgênero, na praia de Copacabana, acende seu lado investigativo e transforma sua vida.​

Crítica

Aos 24 anos de idade, Allan Fiterman deixou o Brasil e se mudou para os Estados Unidos, decidido a se tornar cineasta. Depois do pseudo-hollywoodiano Living the Dream (2006), que combinava no mesmo elenco as presenças de Marília Pêra, Sean Young, Danny Trejo e Dan Stulbach, e do problemático Embarque Imediato (2009), lembrado apenas por ter sido um dos últimos trabalhos de José Wilker, ele acabou migrando para televisão, assinando sucessos como as novelas Cheias de Charme (2012) e Haja Coração (2016). Tais experiências, indo da comédia ao drama, dos projetos pretenciosos àqueles que visam um público maior, lhe prepararam para entregar Berenice Procura, uma engenhosa mistura de suspense policial com drama familiar que, a despeito de qualquer natural desconfiança, acaba funcionando em mais de um nível a que se propõe debruçar.

Baseado no romance homônimo de Luiz Alfredo Garcia-Roza – mesmo autor de Achados e Perdidos (2007) e da série Romance Policial: Espinoza (2015) – Berenice Procura traz elementos caros ao autor: o submundo carioca, a vida longe dos holofotes, as segundas intenções e arquétipos que podem remeter às tramas clássicas a la Agatha Christie, no estilo “quem é o culpado?”, ao mesmo tempo em que abre espaço para promover outras discussões. Neste caso, temos a realidade do comércio de sexo na zona sul do Rio de Janeiro, aqueles que abusam de condições fragilizadas para proveito próprio e o próprio debate a respeito das formações familiares mais convencionais frente às que surgem mediante novas necessidades, como carências em comum e anseios interiores. Uma salada que, conduzida com segurança pelo diretor e defendida com vontade por seu elenco, acaba se revelando mais saborosa do que se poderia suspeitar.

Berenice (Claudia Abreu, retornando com impressionante naturalidade ao posto de protagonista, posição que não ocupava desde Os Desafinados, 2008) trabalha como motorista de táxi para completar a renda de casa. Acorda cedo, arruma café para o marido e o filho, e sai para as ruas. No dia em que a conhecemos, ela se depara, assim como muitos, com a triste notícia da morte de uma transexual, que é encontrada sem vida ainda cedo em plena praia de Copacabana. Quem está noticiando o fato é Domingos (Eduardo Moscovis, deixando seu lado bom moço para assumir de modo eficiente uma postura antagonista), repórter sensacionalista que vive aquela eterna luta por uma audiência mais ampla, porém menos qualificada. O fato de Berenice e Domingos dividirem a mesma cama, no entanto, não chega a ser uma surpresa, mas o modo como o roteiro de Flávia Guimarães (demonstrando uma consistente evolução desde seu trabalho anterior, na comédia S.O.S.: Mulheres ao Mar 2, 2015) se ocupa de compartilhar esta verdade com o espectador é que conquista a atenção da plateia.

Esta, no entanto, não será a única reviravolta de uma trama tão cheia de altos e baixos quanto uma montanha-russa. Berenice não parece convencida com a investigação do delegado (Leonardo Brício, em participação especial) e muito menos com a cobertura pretensamente jornalística do marido. Por isso, decide empreender sua própria investigação. No entanto, quando descobre existir uma forte ligação entre a vítima e seu próprio filho, um adolescente em nítida crise de orientação sexual, o que começou como mera curiosidade ganha ares mais sérios. Fiterman e Guimarães, no entanto, se ressentem de um maior foco em sua narrativa. Ao abrirem espaço para tramas paralelas, como a da dona da boate que explora as travestis e drag queens (Vera Holtz, à vontade em uma posição de poder) ou a do rapaz do morro que se vê diretamente envolvido com o assassinato (Emilio Dantas), eles acabam subestimando o poder de interesse do núcleo central. Um casal que não mais se ama, um rapaz rebelde e muitos segredos entre eles, sendo o maior aquele que os ligam a uma morte aparentemente sem explicações, deveriam ter sido mais do que suficientes. E seriam, caso houvesse mais confiança nesta premissa, discutindo menos, porém com mais afinco.

Em um cinema afundado em comédias descartáveis e produções ambiciosas que não se sustentam, é salutar e presença de um título como Berenice Procura, filme de gênero que não se envergonha dos méritos que apresenta – muito pelo contrário, os usa a ser favor com imensa habilidade. E mesmo com um desfecho um tanto previsível, quando o culpado termina por ser descoberto mais por eliminação de outros suspeitos do que por qualquer outro tipo de dedução, é pertinente por se aventurar por temas como homofobia, preconceito, traição, exploração sexual e identidade na cara e na coragem, sem meias palavras, muito menos soluções amenizadas. O resultado, como se verifica ao final, não é isento de um ou outro tropeço. Mas até lá são tantos os acertos que, mesmo diante de inevitáveis deslizes, o saldo é positivo, tanto quanto entretenimento como enquanto reflexo de uma realidade que não pode ser mais ignorada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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