Crítica
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Sinopse
Jaime Reyes ganha superpoderes quando um escaravelho misterioso se prende à sua coluna. A partir desse evento extraordinário, Jaime se torna o Besouro Azul, figura que luta contra o mal com uma armadura alienígena.
Crítica
Depois de mais de duas décadas sendo fundamental aos esforços de Hollywood para alcançar recorrentemente bilheterias astronômicas, o mundo dos super-heróis está saturado. Nele são cada vez mais frequentes as ideias repetidas e as abordagens aborrecidas em produções sem capacidade de empolgar. Então, fica a pergunta: como trazer algum frescor para esse universo exaurido? Talvez tirando o foco dos super-heróis famosos, lidando com pressões menores ao fazer filmes protagonizados por criaturas menos badaladas das histórias em quadrinhos? Tendo isso em vista, Besouro Azul pode não representar a salvação da lavoura (longe disso), mas tem méritos suficientes para mostrar que o principal problema, provavelmente, não está no tipo de personagem, mas nas pressões industriais excessivas que sufocam a criatividade. Mesmo que tenha sofrido alguns graus de restrição mercadológica – afinal de contas, estamos falando de uma realização de US$ 120 milhões –, o cineasta porto-riquenho Angel Manuel Soto não está trabalhando numa trama de Superman, Batman, Aquaman, etc. Seu personagem principal é uma figura relativamente pouco conhecida, o que possivelmente aliviou as expectativas em certos sentidos. O protagonista da vez é Jaime Reyes (Xolo Maridueña), jovem de família mexicana pobre que mora nos Estados Unidos. Em meio às dificuldades financeiras que podem fazer o clã perder a sua casa, Jaime acaba se tornando hospedeiro de uma poderosa entidade alienígena.
Celebrado como o primeiro super-herói latino do Universo DC, o Besouro Azul contrapõe a lógica dominante, individualista e centralizada, característica desse tipo de superprodução. Desde o começo, com a recepção do Jaime que retorna formado ao lar – o primeiro Reyes com essa honraria –, Besouro Azul situa as conexões familiares como traços da cultura latina. Os parentes não são adereços ou combustíveis para um personagem que precisa resolver sozinho quando as coisas apertam. Em Homem-Aranha, por exemplo, o sacrifício do Tio Ben e a vulnerabilidade de Mary Jane servem para iluminar aspectos da personalidade do Amigão da Vizinhança, além de funcionar como motivação a ele. Aqui a dinâmica é diferente, pois os familiares de Jaime têm vida própria e representam traços da tradição latina exaltada a partir da resiliência e da capacidade renovada de seguir adiante. O pai cativante pela positividade vital à sobrevivência (Damián Alcázar); a irmã corajosa e casca-grossa (Belissa Escobedo); a mãe que representa o ideal da maternidade latina (Elpidia Carrillo); a avó que funciona como pilar matriarcal (Adriana Barraza); e o tio cuja extravagância paranoica esconde um misto de genialidade e força (George Lopez, que várias vezes rouba a cena). Esse núcleo familiar é essencial para não termos outra empreitada genérica. Nesse sentido, contribuem detalhes preciosos, como a língua servindo em momentos-chave para exaltar origens e gerar identificação – vide o simbionte falando espanhol.
Os componentes humanos e culturais são relevantes em Besouro Azul. Tanto que quando morre alguém próximo a Jaime, o drama não se instaura estritamente por meio da tristeza evidente do protagonista, mas pela falta que nós sentiremos da personalidade absolutamente cativante que não estará mais na jornada. Então, diferentemente de outros filmes de super-heróis, sobretudo daqueles cujo interesse é a pirotecnia de encher os olhos, esse longa-metragem tem espessura carnal, emocional, dramática e social. Sim, pois Angel Manuel Soto se preocupa em mostrar que, antes de hospedeiro do alienígena capaz de conjurar armas e escudos, Jaime é alguém cercado de entes queridos por todos os lados. Estrela em ascensão por conta de seu papel de destaque na série Cobra Kai (2018-2023), Xolo Maridueña dá mais um passo profissional valioso com esse protagonista que oscila organicamente entre a vulnerabilidade e essa coragem recebida como herança dos antepassados. O que torna a nova produção da DC Comics tão atraente é a forma como ela desenha o panorama humano e, a partir dele, mergulha de modo empolgado numa sucessão de perseguições, conflitos, planos e batalhas que escancaram o gosto pela aventura. A nave besouro se transformando em Meca é uma das várias demonstrações desse sabor especial, princípio de uma narrativa que não dissocia os aspectos escapistas do discurso representativo.
Besouro Azul reutiliza conscientemente arquétipos e situações comuns em histórias de super-heróis. Susan Sarandon deita a rola vivendo uma vilã propositalmente caricatural que remete a outras tantas (a proprietária de uma grande empresa visando lucratividade acima de qualquer coisa). Já a brasileira Bruna Marquezine faz bonito em sua estreia hollywoodiana, cheia de personalidade ao conceber a jovem que rompe os limites e as travas frequentemente impostos aos interesses amorosos dos protagonistas. Ainda que tímidas/cômicas, há menções a ereções (finalmente um super-herói não é totalmente castrado pelo moralismo) e citações que certamente atingirão em cheio o público latino (como a novela mexicana e o herói colorado, figuras que povoam nosso imaginário, então inseridas na produção hiperbólica de Hollywood). Há ainda um bem-vindo (e libertador) descompromisso com os outros habitantes do Universo DC. As cenas de ação não são excepcionais, mas funcionam bem dentro dessa ideia de privilegiar o que elas acrescentam ao drama e aos personagens, sem com isso perder a sua vibração. E há dois momentos de encher os olhos d’água. Num deles, o tio de Jaime faz um discurso sobre latinidade que resgata os problemas enfrentados por imigrantes mexicanos tentando a vida nos Estados Unidos. “Talvez seja a hora de termos o nosso próprio super-herói”, diz ele. A outra é a avó revolucionária atirando e gritando “abaixo os imperialistas”. Paradoxo curioso, pois estamos falando do produto de um estúdio com diretrizes imperialistas. Mas que, ao menos, possui alma.
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