Sinopse
Crítica
Projeto de estreia dos diretores Cristiano Calegari e Lucas Zampieri no formato, Bia (2.0) é um filme cheio de boas intenções. O problema é que, como diz o ditado, destas o inferno está cheio. Realizado de forma bastante artesanal, sem muitos recursos, com atores na maioria em início de carreira e com uma grande vontade de fazer acontecer, a despeito de suas evidentes restrições técnicas e financeiras, tem sua trama voltada quase que exclusivamente ao público ao qual se destina, sem permitir, no entanto, que espectadores de outras faixas etárias e/ou culturais possam encontrar aqui algum tipo de identificação ou mesmo reconhecimento. É de e para adolescentes em início de suas vidas amorosas, ainda bastante virginais e inocentes em suas maneiras de verem o mundo ou em como lidarem com os inevitáveis tropeços que irão surgir durante essa caminhada. É reconfortante por ilustrar uma fase pela qual todos, inevitavelmente, acabam passando, mas mais ainda por deixar claro que se trata justamente disso: uma época da vida que, felizmente, tem prazo para acabar, ser superada e, muitas vezes, esquecida.
Na primeira cena do filme, em cortes rápidos, acompanhamos Bia (Maju Souza, de O Outro Lado do Paraíso, 2017) entrando em casa e flagrando uma traição ao se deparar com um casal na cama e um rapaz que, rapidamente, tenta se desculpar. Não sabemos ao certo se trata do marido, amante ou companheiro dela. Essa explicação vem logo em seguida, e o que descobrimos é que se trata apenas do namorado de escola. E ainda que seja dado a entender que ambos, enquanto casal, tenham uma vida sexual ativa, o que percebemos é uma maturidade que não encontra respaldo nos demais aspectos de suas vidas. Afinal, aquela nem era a casa deles – Bia ainda mora com a mãe, no mesmo quarto de sua infância, dormindo em uma cama de solteira, rodeada por ursinhos de pelúcia e corações cor-de-rosa (ou algo que o valha). E ainda que declare, em meio ao choro do fim do namoro, que “já tinha uma vida inteira planejada ao lado dele”, o que qualquer espectador com um pouco de vivência sabe é que o drama é passageiro e não deve durar nem até a próxima esquina.
Pois bem, é exatamente o que acontece quando ela decide participar de um grupo de voluntários e acaba se encantando por um dos integrantes da trupe, Dan (Ghilherme Lobo). Depois de viver um garoto cego em Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014), agora ele aparece como um palhaço mudo – o nome do personagem que assume quando está com o rosto maquiado é Abraço, pois é justamente isso que faz: abraça as pessoas. O belo trabalho dele no filme de Daniel Ribeiro continua sendo o seu maior referencial, pois não encontra em Bia (2.0) material que possa fazer sombra aos seus esforços anteriores. A sensibilidade e delicadeza demonstradas nas nuances do romance adolescente gay desaparecem, dando espaço para reações extremadas, típicas de folhetins – ou até mesmo propícias para jovens que pouco sabem da vida, aqui expostas sem um filtro que possa torná-las mais universais. A impressão é de que os diretores de fato acreditam nos desesperos e na urgência dos sofrimentos dos seus personagens, sem a ciência de que não há nada que o tempo não cure.
Isso, afinal, é medido pelos dilemas enfrentados pelos protagonistas. A menina parece estar a todo instante à procura de uma desculpa para uma nova discussão: reclama da mãe que tenta animá-la (talvez a participação mais equivocada de todo o elenco), da amiga que não embarca na sua choradeira (uma das poucas composições interessantes), no amigo gay de língua ferina (o clichê é usado de forma tão rasa que, mais do que constrangedor, chega a ser ofensivo), e, principalmente, do novo namorado: por não falar da doença do pai, por não colocá-la a par das ex-namoradas, ou seja, por qualquer motivo. Quando ela ganha uma bolsa para estudar música em Portugal, daí é ele que passa a se lamentar: se num instante afirma, de forma sensata, que não pode prendê-la, basta ela partir para que a ideia de um namoro à distância se mostre vazia, devido ao fraco comprometimento dos dois. Natural que isso aconteça entre dois adolescentes. Então, por que tanto confronto, briga e lamúrias?
Há, ainda, uma necessidade de se falar muito em pouco tempo. Calegari, um dos roteiristas, ao lado de Silvia Seles, insere nessa novela juvenil questões como disputa por heranças, homofobia, racismo e assistência social, entre outros, sem que, no entanto, nenhum destes tópicos seja devidamente aprofundado. E entre situações-limite, figuras pouco simpáticas, piadas desgastadas e um ou outro ponto de frescor momentâneo, Bia (2.0) é um filme que, até mesmo pelo título, parece querer se mostrar como uma versão renovada e modernizada de alguém pronto para enfrentar os altos e baixos da vida, mas tudo que consegue é transitar por caminhos há muito trilhados, sem, de fato, apresentar algo de novo ou de nítido proveito. Fica claro que aqueles em frente ou atrás das câmeras parecem terem se divertido muito mais do que aqueles na sala escura, que não tardarão a esquecer destes conflitos passageiros, muito antes da próxima estação.
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