Crítica
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Sinopse
Neto é um jovem como qualquer outro. Os abismos geracionais são evidenciados quando ela precisa fazer alguma coisa com seu pai, Wilson. Um dia, o adolescente é pego com maconha e enviado pela família a um manicômio.
Crítica
Depois das gloriosas passagens pelos festivais de Brasília e de Recife, tendo saído consagrado com as principais estatuetas – entre elas a de Melhor Filme, Direção, Roteiro e Ator, para Rodrigo Santoro, em ambos – Bicho de Sete Cabeças chegou ao público despertando atenções variadas. Se muitos foram conferir a obra de estreia de Laís Bodanzky interessados no tema polêmico, outros tantos queriam conferir um dos maiores astros da televisão nacional num desempenho que realmente o qualificasse como um ator relevante. Por isso é importante lembrar: esse filme veio muito antes da carreira hollywoodiana de Santoro – aliás, foi exatamente com este trabalho que o rapaz deixou de ser apenas mais um rosto bonito para se posicionar como um dos melhores de sua geração.
E esse retorno não poderia ter sido melhor. Mesmo com poucas cópias no mercado, Bicho de Sete Cabeças foi um dos longas nacionais mais vistos de 2001, contabilizando mais de 300 mil espectadores! Claro, não chegou a se igualar a um título mais comercial como A Partilha (2001), por exemplo, que teve mais 1,2 milhão espectadores, mas por sua temática ser bem mais séria, esse drama pode ser considerado um fenômeno não só quanto à crítica, mas também em relação à audiência.
O trabalho da diretora Laís Bodanzky impressiona pela crueza, pela forma direta e quase documental com que expõe as verdades contidas em sua história. Inspirado no livro Canto dos Malditos, um relato autobiográfico do escritor Austregésilo Carrano Bueno, ao transformar-se em obra cinematográfica a trama foi transposta para os dias atuais, e não nos anos 1960 como na origem. Isso deve-se à intenção de fazer com que o filme também sirva de denúncia, indicando que o narrado não se trata de um fato isolado do passado, e sim algo que ainda hoje acontece em nosso país. Um alerta para a situação de descaso com que são tratados aqueles internados em manicômios e instituições de recuperação públicas, destinados a qualquer um que não se encaixe nos padrões normais de comportamento ditados pela sociedade.
Além disso, outra fonte de inspiração do roteiro foi o texto Carta ao Pai, de Franz Kafka. Isso é perceptível na falta de diálogo entre o adolescente Neto (Santoro) e seu pai (Othon Bastos), na insustentável convivência entre os dois numa mesma casa. Essa total ausência de comunicação entre eles resulta numa tentativa desesperada daquele de quem se espera autoridade em internar o filho numa instituição de apoio ao descobrir um cigarro de maconha na mochila do garoto. O objetivo é a reabilitação, trata-se de um pedido de ajuda. E tudo que é mostrado na tela soa tão real que às vezes fica difícil de se lembrar que estamos diante de atores, meros intérpretes. O que se vê é um perfeito exemplo de garra e competência, tanto na frente quanto atrás das câmeras, como há muito não aparecia em nosso cinema.
Rodrigo Santoro está muito à vontade como o protagonista, num processo de entrega sem volta. Este foi o definitivo salto em sua carreira, mostrando ao mundo ser um ator completo e de respeito, distante da imagem de galã de novela das oito. O único porém é que, em alguns momentos, ele parece ser “belo” demais para viver aquele desespero, para ficar perdido, como quando não consegue um emprego ou na situação em que é dispensado pela namorada. Mas nada por demais relevante, já que seu olhar e expressão revelam uma força que vai além dessas limitações físicas. Ele domina o filme do início ao fim, praticamente sozinho, e o faz muitíssimo bem.
O elenco de coadjuvantes também impressiona. Os veteranos Othon Bastos e Cássia Kiss mostram a competência de sempre, mas o verdadeiro show fica guardado aos que vivem os demais internos, como Gero Camilo, Caco Ciocler e Luis Miranda. Ao vê-los atuando parece ainda mais impossível acreditar que não são todos dependentes também na vida real. Isso só foi possível pois, na época, estes eram rostos novos, inéditos, e não os atores populares que hoje conhecemos, mais de uma década depois. A escolha acertada por estes talentos que ainda não haviam sido descobertos é mais um acerto da produção.
Laís Bodanzky, após uma bem sucedida carreira como documentarista e com alguns curtas-metragens de também notável sucesso, estreia de pé direito como diretora de longas-metragens e mostra que há muito fôlego para ser mostrado pelos novos cineastas nacionais. E o futuro comprovou a premissa aqui levantada, colocando-a como uma das mais completas cineastas do nosso país. Um início e tanto.
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