Crítica
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Sinopse
Xico acompanha seu pai no cotidiano laboral de limpar fossas. Ele começa a questionar essa rotina singular e alguns dos ideais defendidos por seu tio.
Crítica
Claudio Assis é um dos cineastas mais enérgicos do Brasil. Em qualquer um dos seus três primeiros longas era fácil encontrar uma força pulsante, voraz e selvagem, que não pedia licença e engolia tudo que via pela frente. Talvez por isso que seu mais recente trabalho, o memorialista Big Jato, provoque um choque num primeiro instante. O que encontramos na tela é uma quebra, ou talvez um recomeço. O diretor deixa de lado muitos dos parâmetros pelo qual seu cinema se tornou conhecido, mas faz isso olhando para trás, referenciando a própria obra e partindo de uniões com antigos parceiros. O resultado é um tanto híbrido, e ainda que possua momentos felizes, no todo se revela menor do que a soma de suas partes individuais.
Baseado no romance autobiográfico homônimo escrito por Xico Sá, Big Jato conta a história de Xico (Rafael Nicácio), filho de Chico (Matheus Nachtergaele) e sobrinho de Nelson (Nachtergaele, novamente). Os irmãos gêmeos representam dois lados de uma mesma moeda, uma contradição fundamental durante esse período de construção da identidade do garoto. O pai é dono do caminhão-pipa que dá nome ao filme e passa os dias limpando as fossas dos vizinhos – ou seja, vive literalmente na merda, suando cada fio do bigode para manter a família, composta ainda pela esposa (Marcélia Cartaxo) e por outros três filhos. Já o tio é o bon vivant, radialista cuja voz a cidade inteira reconhece, sempre enaltecendo o talento d’Os Betos – banda que, segundo ele, seria precursora dos Beatles – e proferindo discursos de ordem libertária. A analogia, portanto, é óbvia: será do pior cenário que virá surgir o novo?
Estamos na cidade de Peixe de Pedra, lugar perdido no tempo e espaço, conhecida pela quantidade de fósseis pré-históricos encontrados pelas redondezas, onde nem sinal de telefone pega, quiçá de internet. Xico gosta de poesia, não é afeito aos números, e admira tanto quanto tem repulsa pela rotina do pai. A mãe perde mais tempo reclamando de tudo e todos do que, de fato, fazendo algo – e quando faz, as consequências são drásticas. O irmão mais velho só sabe implicar, porém com uma empatia daqueles que reconhecem que a companhia não mais estará ali por muito tempo. O do meio, afeminado discreto, é quase invisível, escapando do relho severo enquanto começa a demonstrar dons incomuns na região. Já ao protagonista resta decidir entre ir ou ficar, partir ou criar raízes. E entre momentos de rara euforia e outros de furiosa frustração, o garoto vai formando sua visão de mundo.
A escrita de Xico Sá é luminosa, e Claudio Assis não se exime em oferecer cores variadas ao seu filme. O que muda, no entanto, é a intensidade com que elas se projetam sobre os acontecimentos que unem os tipos em cena. Talvez esteja aí o diferencial, que pode ser tanto uma demonstração de maturidade do realizador quanto uma ausência de acontecimentos tácitos no enredo. Os elementos estão presentes, porém sem exageros, rompantes ou bravatas, como se fazia até então. Por outro lado, o diretor constrói um filme que busca na sua própria filmografia seus comentários, como quando nos deparamos com leilões de prostitutas menores de idade (algo similar ao visto em Baixio das Bestas, 2006) ou cujo personagem, ao adoecer, sofre de febre do rato (como no longa homônimo, de 2011). Mas parece faltar um elo entre tais episódios. A competência é evidente, mas o que resta ainda não dito em um romance de formação similar a tantos outros dos seus pares?
Se o elenco infantil segue os caminhos que lhes são trilhados sem maiores surpresas, está nas presenças de Matheus Nachtergale (principalmente) e de Marcélia Cartaxo (em menor escala) o maior mérito de Big Jato. Nachtergaele consegue construir dois homens próximos e distantes, nos quais acreditamos em seus conflitos, antevendo o rapaz que irá surgir daquele garoto perdido entre eles. Já Cartaxo faz o que pode com o pouco que lhe é oferecido, mostrando em relances porque é uma das melhores atrizes de sua geração. Mas entre excrementos que não mais precisam ser coletados e amores não correspondidos, o filme prefere bater em teclas já conhecidas, inclusive fazendo do encontro com o mar um novo começo – imagem mais do que explorada pela ficção. E assim, tangenciando clichês e abrindo oportunidades para um inesperado que não chega a se concretizar, Assis indica que talvez esteja pronto a assumir discursos mais sérios e profundos. Há muito a se desprender até lá, no entanto, e assim como seu protagonista, reconhece que o importante é dar o primeiro passo.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 6 |
Daniel Oliveira | 5 |
Francisco Carbone | 5 |
Diego Benevides | 4 |
Edu Fernandes | 6 |
Chico Fireman | 6 |
MÉDIA | 5.3 |
Assis cometeu tanto equívocos que não sei se sou capaz de numerar todos: a dublagem precária e despreocupada, o machismo ao tratar a mulher como objeto de desejo, como histérica ou como puta, a absoluta ausência de linguagem cinematográfica, a narrativa óbvia e mastigada (precisava de um policial dizer "que ironia" para o tio que limpava a latrina da cela? O público não é capaz de chegar a essa conclusão sozinho?), os personagens juvenis estereotipados (o homossexual só está lá para que as piadas machistas sejam feitas, enquanto o "matemático" só existe para servir de exemplo e talvez só Cláudio Assis seja capaz de explicar a função narrativa da irmã do protagonista), as dezenas de planos que não tem razão de existir (boleia do caminhão sendo filmada de frente e lateralmente), o apelo excessivo à trilha sonora, a ausência de dramaturgia (a cena da briga é falsa e a cena em que o pai dá uma surra é mais falsa que uma nota de 3 reais). Enfim, tudo isso me leva a crer que, se estamos aplaudindo isso (Festival de Brasília, por exemplo), o cinema brasileiro está em um caminho muito, mas muito errado!