Crítica
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Sinopse
Augusto é um artista que sempre sonhou com seu lugar sob os holofotes. Finalmente tem sua grande chance ao se tornar Bingo, um palhaço apresentador de um programa infantil de televisão que é sucesso absoluto. Uma cláusula no contrato não permite revelar quem é o homem por trás da máscara, produzindo em Augusto a frustração de ser o homem anônimo mais famoso do Brasil.
Crítica
Um dos momentos mais felizes para os apreciadores do bom cinema é quando temos a oportunidade de presenciar o encontro de um artista com a obra que o define na tela grande. Lázaro Ramos em Madame Satã (2002) ou Wagner Moura em Tropa de Elite (2007) se encaixam com excelência nessa definição, por exemplo. Pois dessa mesma trupe de talentosos astros baianos, faltava a Vladimir Brichta se deparar com o personagem da sua vida. E é assim mesmo, no tempo verbal passado, que podemos nos referir a esta carência, pois ela não mais é válida. Afinal, ele, a partir de agora, é Bingo: O Rei das Manhãs, o filme que definitivamente o elevará de mero galã com dotes cômicos para a posição de intérprete completo, capaz de demonstrar domínio tanto de corpo quanto de rosto para criar postura e expressões de um tipo único, envolvente e absolutamente irresistível. Uma atuação rara, como poucos podem se orgulhar de incluir em suas filmografias, e que agora está a seu dispor.
Bingo, aliás, é ninguém menos do que o Bozo, que dominou as manhãs de toda uma geração de crianças durante os anos 1980. Por uma questão de direitos, no entanto, o nome foi alterado, porém a essência permanece a mesma. Mas não é exatamente a máscara branca, de nariz vermelho e cabelos azuis, que interessa. O olhar está no homem atrás da maquiagem. Augusto Mendes é o nome que surge para retratar no mundo ficcional a trajetória de Arlindo Barreto, ator que foi campeão de bilheterias estrelando pornochanchadas, marcou presença em papeis discretos na televisão e viveu início de sua carreira sob a sombra da mãe, grande nome da era de ouro da televisão brasileira. Seu momento de virada, portanto, surge quando conquista a vaga como apresentador do programa que já era sucesso nos Estados Unidos e chegava com pompa e circunstância ao Brasil. O fenômeno se concretiza. Porém, a notoriedade não lhe alcança. Ela permanece restrita à fantasia – uma das cláusulas de seu contrato o impedia de revelara verdadeira identidade do palhaço. E como lidar com um ego abafado pela própria criatura de um criador incompreendido?
Daniel Rezende começou sua carreira já sendo indicado ao Oscar por seu trabalho de estreia, como montador de Cidade de Deus (2002), há exatos quinze anos. De lá para cá, esteve envolvido em alguns dos maiores sucessos do cinema brasileiro, como O Ano em que Meus Pais saíram de Férias (2006), e também em Hollywood, como A Árvore da Vida (2011). Se aventurar como realizador, como se percebe, era questão de tempo. E após alguns curtas e projetos na televisão, ele tem com Bingo: O Rei das Manhãs um abre-alas de peso. Aqui, ele não só emprega tudo que aprendeu de melhor ao lado de realizadores como Fernando Meirelles, Walter Salles, José Padilha e Terrence Malick, como também ousa, em um momento ou outro, ir além criando um conceito bastante particular para seu filme. O ritmo adotado é frenético, tal qual seu protagonista. Augusto é intempestivo, debochado, irreverente, sedutor e inconsequente. Assim também é este longa, com exceção deste último quesito: o diretor sabe muito bem o que está buscando, e cada passo, cena ou tomada é resultado de muito estudo e análise, encaixando-se no anterior e no seguinte como um quebra-cabeça construído com imenso cuidado. São elementos que, quando combinados, resultam em algo maior e mais surpreendente.
Bingo está atento à trajetória deste anônimo por trás do sorriso contagiante, dotado de uma confiança que não tardará em trai-lo. O palhaço sabe fazer rir, mas na mesma medida provoca choro – nele e naqueles que ousam dele se aproximar. Pai amoroso e ex-marido atento, se vê perdido em um desequilíbrio crescente diante do bom resultado do trabalho que executa. Cada problema que lhe é apresentado é um desafio a ser conquistado, motivação para seguir arriscando. Mas esse também é o caminho dos exageros, das drogas às mulheres, e assim não faltará muito para que também perca o próprio controle. A família é relegada a um segundo plano, os colegas percebem sua mudança, seu sofrimento ganha nova dimensão cada vez que assume um uniforme que não mais consegue disfarçar o que se passa no seu âmago. Vladimir transita por cada uma destas facetas com segurança, compondo um tipo que conquista primeiro, para depois revelar sua verdadeira natureza, justamente quando não conseguimos mais dele nos desvencilhar. Sentimos seu sofrimento e, ao mesmo tempo, torcemos por sua recuperação. Da mesma forma, enfrentamos cada um dos percalços com os quais se depara, da relação turbulenta com sua produtora (Leandra Leal, oferecendo um contraponto em perfeita sintonia) ao desgaste tanto junto ao filho (Cauã Martins, uma revelação) como com a mãe (Ana Lúcia Torre, hipnotizante).
Assim, somos levados pelas mãos aos altos e baixos de um homem que teve o mundo aos seus pés e, por não saber lidar com a condição singular que vivia, colocou tudo a perder. A câmera é o olho assustado e curioso da audiência, próxima suficiente para vigiá-lo de perto, mas não a ponto de preveni-lo do que lhe espera na próxima curva. Bingo: O Rei das Manhãs é um conto triste sobre a fama e suas repercussões. Porém, por mais expansiva, colorida e enérgica que seja a personalidade que sua imagem tenta imprimir num instante inicial, será no interior, no íntimo dessa figura, que a real batalha irá transcorrer. No domínio absoluto desta verdade, Daniel Rezende e Vladimir Brichta formam uma das duplas mais afinadas do cinema brasileiro recente, oferecendo humanidade ao astro que a maioria só tinha conhecimento superficialmente, aproximando-o do chão e revelando matizes, tropeços e vitórias. Não muito diferente de qualquer um do lado de cá da tela, porém sob uma lupa que não lhe oferece uma simples redenção. O processo, portanto, é sofrido, mas inegavelmente compensatório.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 9 |
Yuri Correa | 8 |
Matheus Bonez | 9 |
Marcelo Müller | 9 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
Bianca Zasso | 8 |
Rodrigo de Oliveira | 8 |
MÉDIA | 8.3 |
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