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Crítica


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Sinopse

Uma força sinistra ameaça dizimar a humanidade completamente. Uma ameaça bizarra que domina o mundo.

Crítica

Derivado de Bird Box: Caixa de Pássaros (2018), Bird Box Barcelona vem para mostrar que nem todos os eventos apocalípticos precisam acontecer nos Estados Unidos. Na verdade, a produção parece um teste para ver se o público se interessa por inúmeros filmes abordando a mesma situação tétrica acontecendo simultaneamente em várias partes do mundo. Se colar, colou. E a primeira coisa que temos de levar em consideração diante da proposta é: o que cada território traria de específico para essa conjuntura marcada pelo aparecimento de criaturas que, uma vez avistadas, provocam um ímpeto suicida em quase todas as suas vítimas? A julgar pela produção ambientada na região da Catalunha a resposta é: não muita coisa. Para começo de conversa, o longa-metragem dirigido por David Pastor e Àlex Pastor não aproveita as particularidades geográficas, históricas e culturais da região na qual a história se desenrola. Trocando em miúdos, o enredo poderia acontecer em qualquer cidade do planeta, sem tantas mudanças e/ou adequações. Exceção feita a alguns momentos em que edificações e outras marcas da cidade são exploradas, há pouco genuinamente espanhol que justifique o deslocamento à Europa. Em meio a um enredo genérico, o que se destaca é o subtexto religioso, talvez a única marca efetiva de identificação – afinal de contas, a Espanha é um país com cerca de 60% da população católica.

O protagonista de Bird Box Barcelona é Sebastián (Mario Casas), sujeito que peregrina por essa realidade em colapso ao lado de sua filha. Mas, rapidamente esse homem que tinha tudo para ser o mocinho da vez se revela um potencial vilão. Manipulado pelas entidades, ele funciona como um encantador de pessoas desesperadas, as levando a encarar os algozes extraordinários e consequentemente provocando as suas mortes. Todavia, essa virada de chave é um dos únicos movimentos interessantes do filme, pois acompanhamos um homem que evidentemente está prejudicando aqueles que sobrevivem a duras penas. No entanto, não demora para percebermos a falta de disposição de David Pastor e Àlex Pastor para fazer desse sujeito uma personalidade maléfica, pois os realizadores sempre enfatizam que ele também é vítima. Porém, nem mesmo essa condição é desenvolvida. O presente parágrafo está repleto de conjunções adversativas (porém, mas, no entanto, todavia, etc.) para tentar reproduzir na escrita os constantes desvios dos elementos que poderiam ser melhor abordados, mas não o são por falta de iniciativa da direção. Sebastián é um homem religioso que enxerga em seus algozes os anjos vindos do céu e na missão a ele confiada uma cruzada sagrada para libertar as almas dos ignorantes condenados. E nem a aparição de um padre caricaturalmente vilão encorpa a crítica.

As criaturas misteriosas utilizam medos, traumas e afins para afetar presas e leva-las ao suicídio. Sebastián é capturado pela fé, ou seja, manipulado a partir de sua crença em coisas como criaturas celestiais e oportunidades de reencontrar entes queridos além-vida. Some a isso o surgimento do malvadão padre Esteban (Leonardo Sbaraglia) e temos o terreno prontinho para uma crítica aos poderes da religião. Contudo (olha a conjunção adversativa de novo), Bird Box Barcelona se mostra em sua essência muito mais simpático a certos dogmas religiosos do que necessariamente avesso a eles. Tiro no pé ou estratégia deliberada para reforçar estigmas enquanto finge superficialmente que está os condenando? Os desdobramentos do filme corroboram a segunda tese, quase refutando a natureza involuntária dessa operação. E tudo está resumido na figura de Sebastián, esse malfeitor/vítima desenhado de modo escancarado como aquele desgarrado do caminho correto, mas que por meio de um sacrifício alcançará a redenção. Quer algo mais judaico-cristão do que um pecador redimido de suas falhas ao colocar o bem-estar de outros acima do seu? Então, no que diz respeito ao discurso, essa nova produção Netflix é mais simpática do que avessa aos discursos do cristianismo, fazendo de suas supostas críticas um distrativo para assimilarmos com menos resistência os traços da ideologia cristã.

Se por um instante nos desligarmos dessa mensagem subliminar entregue ao espectador dentro de um Cavalo de Tróia, Bird Box Barcelona ainda assim será um filme medíocre (de morno para frio) pela forma como desenha o suspense. Além de não aproveitar as particularidades culturais, históricas e geográficas de Barcelona, David Pastor e Àlex Pastor investem numa construção ineficaz de expectativa. Em vários instantes conseguimos antecipar o que acontecerá, quem será morto ou a que tipo de desdobramentos as situações apontam. Outro exemplo de desperdício é a utilização dos atores. Mario Casas está preso à natureza rasa do protagonista em contrição, impedido de expressar sutilezas e/ou contradições que poderiam engrandece-lo. Já a Lola Dueñas, conhecida pelos almodovarianos Fale com Ela (2022), Volver (2006) e Abraços Partidos (2009), entre outros, cabe um papel praticamente figurante. Sua personagem tem pouquíssima importância (quase nenhuma) para o desenrolar da trama, fazendo parte de um típico núcleo de transição. Em raros momentos o filme é tenso. E a sensação de apreensão não é trabalhada ao longo do desenvolvimento da trama. O resultado é uma experiência ora afetada drasticamente pela previsibilidade, ora desinteressante pela maneira como elabora os dramas pessoais em meio ao apocalipse. Ainda não é certo se teremos novos Bird Box, mas a julgar pela filial espanhola será preciso mais do que deslocamentos geográficos para justificar outros filmes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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